Sonetos sobre Rendas de Florbela Espanca

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Sonetos de rendas de Florbela Espanca. Leia este e outros sonetos de Florbela Espanca em Poetris.

Cinzento

Poeiras de crepĂșsculos cinzentos.
Lindas rendas velhinhas, em pedaços,
Prendem-se aos meus cabelos, aos meus braços,
Como brancos fantasmas, sonolentos…

Monges soturnos deslizando lentos,
Devagarinho, em misteriosos passos…
Perde-se a luz em lĂąnguidos cansaços…
Ergue-se a minha cruz dos desalentos!

Poeiras de crepĂșsculos tristonhos,
Lembram-me o fumo leve dos meus sonhos,
A névoa das saudades que deixaste!

Hora em que teu olhar me deslumbrou…
Hora em que a tua boca me beijou…
Hora em que fumo e nĂ©voa te tornaste…

Meu Mal

A meu irmĂŁo

Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!

Fui tudo que no mundo hĂĄ de maior:
Fui cisne, e lĂ­rio, e ĂĄguia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou, um cĂ­nico riso de Chamfort…

Fui a herĂĄldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mĂŁos aroma aos nardos…
Deu cor ao eloendro a minha boca…

Ah! de Boabdil fui lĂĄgrima na Espanha!
E foi de lĂĄ que eu trouxe esta Ăąnsia estranha,
MĂĄgoa nĂŁo sei de quĂȘ! Saudade louca!

Neurastenia

Sinto hoje a alma cheia de tristeza!
Um sino dobra em mim Ave-Marias!
LĂĄ fora, a chuva, brancas mĂŁos esguias,
Faz na vidraça rendas de Veneza…

O vento desgrenhado chora e reza
Por alma dos que estĂŁo nas agonias!
E flocos de neve, aves brancas, frias,
Batem as asas pela Natureza…

Chuva…tenho tristeza! Mas porquĂȘ?!
Vento…tenho saudades! Mas de quĂȘ?!
Ó neve que destino triste o nosso!

Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu nĂŁo posso !!…

Teus Olhos

Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.

Neles ficaram meus palĂĄcios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’AlĂ©m-Mundos ignorados!

Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
EnigmĂĄticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…

Berço vinde do cĂ©u Ă  minha porta…
Ó meu leite de nĂșpcias irreais!…
Meu sumptuoso tĂșmulo de morta!…

Prince Charmant

A Raul Proença

No lĂąnguido esmaecer das amorosas
Tardes que morrem voluptuosamente
Procurei-O no meio de toda a gente.
Procurei-O em horas silenciosas!

Ó noites da minh’alma tenebrosas!
Boca sangrando beijos, flor que sente…
Olhos postos num sonho, humildemente…
MĂŁos cheias de violetas e de rosas…

E nunca O encontrei!…Prince Charmant…
Como audaz cavaleiro em velhas lendas
Virå, talvez, nas névoas da manhã!

Em toda a nossa vida anda a quimera
Tecendo em frĂĄgeis dedos frĂĄgeis rendas…
— Nunca se encontra Aquele que se espera!…

Passeio ao Campo

Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina…
Pele doirada de alabastro antigo…
FrĂĄgeis mĂŁos de madona florentina…
– Vamos correr e rir por entre o trigo! –

HĂĄ rendas de gramĂ­neas pelos montes…
Papoilas rubras nos trigais maduros…
Água azulada a cintilar nas fontes…

E Ă  volta, Amor… tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro sĂł as nossas duas sombras!…

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂȘncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂ­nquas do PaĂ­s Vago…

Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂȘnção dum afago…

Outono dos crepĂșsculos doirados,
De pĂșrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂ­ficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…