Sonetos sobre Segundos de J. G. de Araújo Jorge

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Sonetos de segundos de J. G. de Araújo Jorge. Leia este e outros sonetos de J. G. de Araújo Jorge em Poetris.

Tudo Esqueço

Tudo posso esquecer em minha vida
inquieta e livre como uma enxurrada:
– a ilusão, num segundo, mais querida…
– a mulher, num segundo, mais amada…

a visão de algum trecho azul da estrada
entre ternos carinhos percorrida;
– uma história que um dia interrompida
nunca mais afinal foi terminada!

Os desejos… os sonhos… os amores…
que julgo eternos, e que por enquanto
despetalam-se e morrem como flores…

Esqueço tudo! O que passou, morreu!
Só não consigo me esquecer no entanto
da primeira mulher que me esqueceu…

Vingança

“Vingança…”
I
Ontem eu a possuí … e você não é minha!
Paradoxo talvez, mas tudo aconteceu …
Em pensamento, o beijo eu colhia, tinha
o sabor desse beijo que você não deu …

De olhos cerrados, louco, a sua imagem vinha
com a força do que é real e se impôs ao meu”eu”…
E o corpo que eu tocava e a minha mão sustinha,
na sombra, aos meus sentidos cegos – era o seu!

Ontem por mais que a idéia seja estranha e louca,
– você foi minha enfim!… apertei-a ao meu peito…
desmanchei seus cabelos… machuquei-lhe a boca!

E possuía afinal, – num ímpeto criador –
vingando o meu orgulho abatido e desfeito
num doentio segundo de paixão e amor!

A Espera

Ela tarda… E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
– os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando…

O céu desfaz-se em luar… Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando…

E ela não vem…Aumenta-me a ansiedade:
– o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade…

Mas eis que ela aparece de repente!…
– E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!…

Inconstância

É o meu destino: – hei de seguir assim
como um novo amor por sol, em cada dia…
– o que há pouco era tudo o que queria
já agora não é nada para mim…

Só vive, o que ainda é sonho e fantasia!
O que conquisto encontra logo um fim…
O amor que nasce cheio de alegria
hoje – morre amanhã cheio de esplim…

Inconstante e volúvel, meus desejos
– tem a alma das bolhas de sabão
e a duração efêmera dos beijos…

O amor – é a vida de um perfume no ar,
o encanto de um segundo de ilusão…
– a beleza da espuma sobre o mar!…

Palavras

Ah! como me parece inútil tudo quando
sobre nos tenho escrito e hei de ainda compor…
não há verso que valha uma gota de pranto
nem poema que traduza um segundo de dor.

Nem palavra que exprima a singeleza e o encanto
de um pedaço do céu, de um olhar, de uma flor!
Ah! como me parece inútil tudo quanto
na vida, tenho escrito sobre o nosso amor.

Não devia existir a palavra… Devia
existir tão somente a infinita poesia
dos gestos e da luz, – que o amor do meu enlevo

quando o sinto, é profundo, indefinido e imenso,
mas se o chão tão grande quando nele penso
parece-me tão pouco se sobre ele escrevo!

Espiritualidade

É no sonho que o amor engrandece o seu mundo
para morrer depois nos sentidos exausto…
Nasce, como o de Comte e Clotilde, profundo,
morre, feito desejo, na expressão de um Fausto!

Mais sublime talvez, talvez menos fecundo
antes da posse, é apenas perfume… luz… hausto…
– até que atinge o instante imortal de um segundo
em que a ele ofertamos tudo em holocausto!

O que possui de grande, esplêndido, complexo,
está, nessa afeição mais do homem que da fera,
mais do Ser propriamente que do próprio sexo…

Está mais na visão do que se imaginou
– e é por isso que o amor maior é o que se espera,
e eterno, é o que se espera… e nunca o que chegou!…

Suprema Ironia

Não digas que não sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago…
A dor – é coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqüila do lago…

Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo,
tem mundo para além do olhar ardente e vago…

Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…

Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!