Sonetos sobre Vento de Luís de CamÔes

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Sonetos de vento de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Senhora Minha, Se A Fortuna Imiga

Senhora minha, se a Fortuna imiga,
que em minha fim com todo o CĂ©u conspira,
os olhos meus de ver os vossos tira,
porque em mais graves casos me persiga;

comigo levo esta alma, que se obriga,
na mor pressa de mar, de fogo, de ira,
a dar vos a memĂłria, que suspira,
sĂł por fazer convosco eterna liga.

Nest’alma, onde a Fortuna pode pouco,
tĂŁo viva vos terei, que frio e fome
vos nĂŁo possam tirar, nem vĂŁos perigos.

Antes co som da voz, trémulo e rouco,
bradando por vĂłs, sĂł com vosso nome
farei fugir os ventos e os imigos.

Qualquer outro Bem Julgo por Vento

Quando da bela vista e doce riso
Tomando estĂŁo meus olhos mantimento,
TĂŁo elevado sinto o pensamento,
Que me faz ver na terra o ParaĂ­so.

Tanto do bem humano estou diviso,
Que qualquer outro bem julgo por vento:
Assim que em termo tal, segundo sento,
Pouco vem a fazer quem perde o siso.

Em louvar-vos, Senhora, nĂŁo me fundo;
Porque quem vossas graças claro sente,
SentirĂĄ que nĂŁo pode conhecĂȘ-las.

Pois de tanta estranheza sois ao mundo,
Que nĂŁo Ă© de estranhar, dama excelente,
Que quem vos fez, fizesse céu e estrelas.

Julga-Me A Gente Toda Por Perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
vendo-me, tĂŁo entregue a meu cuidado,
andar sempre dos homens apartado,
e dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
e quase que sobre ele ando dobrado,
tenho por baixo, rĂșstico, enganado,
quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂŁo revolvendo a terra, o mar e o vento,
busquem riquezas, honras a outra gente,
vencendo ferro, fogo, frio e calma;

que eu sĂł em humilde estado me contento,
de trazer esculpido eternamente
vosso fermoso gesto dentro n’alma.

Arvore, Cujo Pomo, Belo E Brando

Arvore, cujo pomo, belo e brando,
natureza de leite e sangue pinta,
onde a pureza, de vergonha tinta,
estĂĄ virgĂ­neas faces imitando;

nunca da ira e do vento, que arrancando
os troncos vĂŁo, o teu injĂșria sinta;
nem por malĂ­cia de ar te seja extinta
a cor, que estĂĄ teu fruto debuxando;

que, pois me emprestas doce e idĂłneo abrigo
a meu contentamento, e favoreces
com teu suave cheiro minha glĂłria,

se nĂŁo te celebrar como mereces,
cantando te, sequer farei contigo
doce, nos casos tristes, a memĂłria.

Julga-me a gente toda por perdido

Julga-me a gente toda por perdido,
Vendo-me tĂŁo entregue a meu cuidado,
Andar sempre dos homens apartado
E dos tratos humanos esquecido.

Mas eu, que tenho o mundo conhecido,
E quase que sobre ele ando dobrado,
Tenho por baixo, rĂșstico, enganado
Quem nĂŁo Ă© com meu mal engrandecido.

VĂĄ revolvendo a terra, o mar e o vento,
Busque riquezas, honras a outra gente,
Vencendo ferro, fogo, frio e calma;

Que eu sĂł em humilde estado me contento
De trazer esculpido eternamente
Vosso fermoso gesto dentro na alma.

Indo O Triste Pastor Todo Embebido

Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂ­do:

-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?

Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?

Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.

O CĂ©u, A Terra, O Vento Sossegado

O cĂ©u, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silĂȘncio repousado…

O pescador AĂłnio, que, deitado
onde co vento a ĂĄgua se meneia,
chorando, o nome amado em vĂŁo nomeia,
que nĂŁo pode ser mais que nomeado:

Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tĂŁo cedo
me fizestes Ă  morte estar sujeita.

Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita.

Ah! Imiga Cruel, Que Apartamento

Ah! imiga cruel, que apartamento
Ă© este que fazeis da pĂĄtria terra?
Quem do paterno ninho vos desterra,
glĂłria dos olhos, bem do pensamento?

Is tentar da fortuna o movimento
e dos ventos cruéis a dura guerra?
Ver brenhas d’ĂĄgua, e o mar feito em serra,
levantado de um vento e d’outro vento?

Mas jĂĄ que vos partis, sem vos partirdes,
para convosco o CĂ©u tanta ventura,
que seja mor que aquela que esperardes.

E sĂł nesta verdade ide segura:
que ficam mais saudades com partirdes,
do que breves desejos de chegardes.

Nunca em amor danou o atrevimento

Nunca em amor danou o atrevimento;
Favorece a Fortuna a ousadia;
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe Ă© guia;
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusÔes que leva o vento.

Abrir-se devem passos Ă  ventura;
Sem si próprio ninguém serå ditoso;
Os princĂ­pios somente a Sorte os move.

Atrever-se Ă© valor e nĂŁo loucura;
PerderĂĄ por cobarde o venturoso
Que vos vĂȘ, se os temores nĂŁo remove.

Seguia Aquele Fogo, Que O Guiava

Seguia aquele fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
as forças lhe faltavam jå e o alento,
Amor lhas refazia e renovava.

Despois que viu que a alma lhe faltava,
nĂŁo esmorece; mas, no pensamento,
(que a lĂ­ngua jĂĄ nĂŁo pode) seu intento
ao mar que lho cumprisse, encomendava.

Ó mar (dezia o moço só consigo),
jå te não peço a vida; só queria
que a de Hero me salves; nĂŁo me veja…

Este meu corpo morto, lĂĄ o desvia
daquela torre. SĂȘ me nisto amigo,
pois no meu maior bem me houveste enveja!

Se Tomar Minha Pena Em PenitĂȘncia

Se tomar minha pena em penitĂȘncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂȘncia.

E se ĂŒa cor de morto na aparĂȘncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciĂȘncia.

E se de qualquer åspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);

e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
serå forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.

Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado

Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.

Vi o gesto suave e delicado
que jĂĄ vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.

Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.

Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os coraçÔes obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.

Ditosa Ave

Quem fosse acompanhando juntamente
Por esses verdes campos a avezinha,
Que despois de perder um bem que tinha,
NĂŁo sabe mais que cousa Ă© ser contente!

E quem fosse apartando-se da gente,
Ela por companheira e por vizinha,
Me ajudasse a chorar a pena minha,
E eu a ela também a que ela sente!

Ditosa ave! que ao menos, se a natura
A seu primeiro bem nĂŁo dĂĄ segundo,
DĂĄ-lhe o ser triste a seu contentamento.

Mas triste quem de longe quis ventura
Que para respirar lhe falte o vento,
E para tudo, enfim, lhe falte o mundo!

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂȘ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂȘncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e nĂŁo em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso sĂł de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continĂȘncia,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homĂ©rica eloquĂȘncia,
jazem debaixo desta sepultura