Sonetos sobre Coração de Luís de Camões

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Sonetos de coração de Luís de Camões. Leia este e outros sonetos de Luís de Camões em Poetris.

Ditoso Seja Aquele Que Somente

Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mágoa do pecado.

Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mágoa do pecado.

Na Desesperação Já Repousava

Na desesperação já repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
já não temia, já não desejava;

quando ĂĽa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.

Que crédito que dá tão facilmente
o coração áquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!

Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glória já do que imagino.

Amor Ă© um Fogo que Arde sem se Ver

Amor Ă© um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Para que quero a GlĂłria Fugitiva?

Já é tempo, já, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo,
Não posso perder, logo, a esperança.

A vida sim, que uma áspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que nĂŁo consente
Quietação num’alma que Ă© cativa!

Se hei-de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glĂłria fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?

Presença Bela, Angélica Figura

Presença bela, angélica figura,
em quem, quanto o CĂ©u tinha, nos tem dado;
gesto alegre, de rosas semeado,
entre as quais se está rindo a Fermosura;

olhos, onde tem feito tal mistura
em cristal branco o preto marchetado,
que vemos já no verde delicado
não esperança, mas enveja escura;

brandura, aviso e graça, que aumentando
a natural beleza cum desprezo,
com que, mais desprezada, mais se aumenta;

são as prisões de um coração que, preso,
seu mal ao som dos ferros vai cantando,
como faz a sereia na tormenta.

Amor Ă© fogo que arde sem se ver

Amor Ă© fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Se tanta pena tenho merecida

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de sofrer tantas durezas,
Provai, Senhora, em mim vossas cruezas,
Que aqui tendes u~a alma oferecida.

Nela experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas,
Que mores sofrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vosso olhos quais serĂŁo?
Forçado é que tudo se lhe renda,
Mas porei por escudo o coração.

Porque, em tão dura e áspera contenda,
É bem que, pois não acho defensão,
Com me meter nas lanças me defenda.

Tempo É Já Que Minha Confiança

Tempo é já que minha confiança
se desça de üa falsa opinião;
mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo;
não posso perder, logo, a esperança.

A vida, si; que üa áspera mudança
não deixa viver tanto um coração.
E eu na morte tenho a salvação?
Si, mas quem a deseja não a alcança.

Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah! dura lei de Amor, que nĂŁo consente
quietação nüa alma que é cativa!

Se hei de viver, enfim, forçadamente,
para que quero a glĂłria fugitiva
de üa esperança vã que me atormente?

Fiou Se O Coração, De Muito Isento

Fiou se o coração, de muito isento,
de si cuidando mal, que tomaria
tĂŁo ilĂ­cito amor tal ousadia,
tal modo nunca visto de tormento.

Mas os olhos pintaram tĂŁo a tento
outros que visto tem na fantasia,
que a razĂŁo, temerosa do que via,
fugiu, deixando o campo ao pensamento.

Ă“ HipĂłlito casto, que, de jeito,
de Fedra, tua madrasta, foste amado,
que nĂŁo sabia ter nenhum respeito:

em mim vingou o amor teu casto peito;
mas está desse agravo tão vingado,
que se arrepende já do que tem feito.

Está O Lascivo E Doce Passarinho

Está o lascivo e doce passarinho
com o biquinho as penas ordenando;
o verso sem medida, alegre e brando,
espedindo no rĂşstico raminho;

o cruel caçador (que do caminho
se vem calado e manso desviando)
na pronta vista a seta endireitando,
lhe dá no Estígio lago eterno ninho.

Dest’ arte o coração, que livre andava,
(posto que já de longe destinado)
onde menos temia, foi ferido.

Porque o Frecheiro cego me esperava,
para que me tomasse descuidado,
em vossos claros olhos escondido.

Vos Foi Beijar na Parte Onde se Via

O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.

Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciĂŞncia fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.

Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!

Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vĂłs, e queima o fogo aquela neve
Que queima corações e pensamentos.

Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado

Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.

Vi o gesto suave e delicado
que já vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.

Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.

Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os corações obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.

Náiades, Vós que os Rios Habitais

Náiades, vós que os rios habitais
Que os saudosos campos vĂŁo regando,
De meus olhos vereis estar manando
Outros que quase aos vossos sĂŁo iguais.

DrĂ­ades, que com seta sempre andais
Os fugitivos cervos derribando,
Outros olhos vereis, que triunfando
Derribam corações, que valem mais.

Deixai logo as aljavas e águas frias,
E vinde, Ninfas belas, se quereis,
A ver como de uns olhos nascem mágoas.

Notareis como em vĂŁo passam os dias;
Mas em vĂŁo nĂŁo vireis, porque achareis
Nos seus as setas, e nos meus as águas.

Se De Vosso Fermoso E Lindo Gesto

Se de vosso fermoso e lindo gesto
nasceram lindas flores para os olhos,
que para o peito sĂŁo duros abrolhos,
em mim se vĂŞ mui claro e manifesto:

pois vossa fermosura e vulto honesto
em os ver, de boninas vi mil molhos;
mas se meu coração tivera antolhos,
nĂŁo vira em vĂłs seu dano o mal funesto.

Um mal visto por bem, um bem tristonho,
que me traz elevado o pensamento
em mil, porém diversas, fantasias,

nas quais eu sempre ando, e sempre sonho;
e vĂłs nĂŁo cuidais mais que em meu tormento,
em que fundais as vossas alegrias.

Foi Já Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi já num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana üa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranhará o costumado.

Quando Cuido No Tempo Que, Contente

Quando cuido no tempo que, contente,
vi as pérolas, neve, rosa e ouro,
como quem vĂŞ por sonhos um tesouro,
parece tenho tudo aqui presente.

Mas tanto que se passa este acidente,
e vejo o quĂŁo distante de vĂłs mouro,
temo quanto imagino por agouro,
porque d’imaginar tambĂ©m me ausente.

Já foram dias em que por ventura
vos vi, Senhora (se, assi dizendo, posso
co coração seguro estar sem medo);

Agora, em tanto mal nĂŁo mo assegura
a prĂłpria fantasia e nojo vosso:
eu nĂŁo posso entender este segredo!

Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor

Sempre a RazĂŁo vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da RazĂŁo.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que nĂŁo perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a RazĂŁo, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Senhora Já Dest’alma, Perdoai

Senhora já dest’alma, perdoai
de um vencido de Amor os desatinos,
e sejam vossos olhos tĂŁo beninos
com este puro amor, que d’alma sai.

A minha pura fé somente olhai,
e vede meus extremos se sĂŁo finos;
e se de algĂĽa pena forem dinos,
em mim, Senhora minha, vos vingai.

NĂŁo seja a dor que abrasa o triste peito
causa por onde pene o coração,
que tanto em firme amor vos Ă© sujeito.

Guardai-vos do que alguns, Dama, dirĂŁo,
que, sendo raro em tudo vosso objeito,
possa morar em vĂłs ingratidĂŁo.

Quando nĂŁo te Vejo Perco o Siso

Formosura do CĂ©u a nĂłs descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;

Qual lĂ­ngua pode haver tĂŁo atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?

Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraĂ­so,
Logo o engenho me falta, o espĂ­rito mĂ­ngua.

Mas o que mais me impede inda louvar-te,
É que quando te vejo perco a língua,
E quando nĂŁo te vejo perco o siso.