Doce Sonho, Suave E Soberano
Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!Ah! deleitoso bem! ah! doce engano!
Se por mais largo espaço me enganara!
Se entĂŁo a vida mĂsera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.Ditoso, nĂŁo estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razĂŁo era,
pois sempre nas verdades fui mofino.
Sonetos Exclamativos de LuĂs de CamĂ”es
62 resultadosOh! QuĂŁo Caro Me Custa O Entender Te
Oh! quĂŁo caro me custa o entender te,
molesto Amor, que, só por alcançar te,
de dor em dor me tens trazido a parte
onde em ti Ăłdio e ira se converte!Cuidei que para em tudo conhecer te,
me nĂŁo faltasse experiĂȘncia e arte;
agora vejo n’alma acrescentar te
aquilo que era causa de perder te.Estavas tĂŁo secreto no meu peito
que eu mesmo, que te tinha, nĂŁo sabia
que me senhoreavas deste jeito.Descobriste t’agora; e foi por via
que teu descobrimento e meu defeito,
um me envergonha e outro m’injuria.
No Mundo Poucos Anos, E Cansados
No mundo poucos anos, e cansados,
vivi, cheios de vil miséria dura;
foi-me tĂŁo cedo a luz do dia escura,
que nĂŁo vi cinco lustros acabados.Corri terras e mares apartados
buscando à vida algum remédio ou cura;
mas aquilo que, enfim, nĂŁo quer ventura,
não o alcançam trabalhos arriscados.Criou-me Portugal na verde e cara
pĂĄtria minha Alenquer; mas ar corruto
que neste meu terreno vaso tinha,me fez manjar de peixes em ti, bruto
mar, que bates na AbĂĄssia fera e avara,
tĂŁo longe da ditosa pĂĄtria minha!
Vós, Ninfas Da Gangética Espessura
Vós, Ninfas da gangética espessura,
cantai suavemente, em vez sonora,
um grande CapitĂŁo, que a roxa Aurora
dos filhos defendeu da noite escura.Ajuntou-se a caterva negra e dura,
que na Ăurea Quersoneso afouta mora,
para lançar do caro ninho fora
aqueles que mais podem que a ventura.Mas um forte LeĂŁo, com pouca gente,
a multidão tão fera como nécia
destruindo castiga e torna fraca.Pois, Ăł Ninfas, cantai! que claramente
mais do que Leonidas fez em Grécia,
o nobre Leonis fez em Malaca.
Apartava-Se Nise De Montano
Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.Pelas praias do Ăndico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas ĂĄguas alongava,
que pouco se doĂam de seu dano.Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lågrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!
Do Viver me Desapossa aquele Riso com que a Vida Dais
Formosos olhos, que na idade nossa
Mostrais do CĂ©u certĂssimos sinais,
Se quereis conhecer quanto possais,
Olhai-me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que do viver me desapossa
Aquele riso com que a vida dais;
Vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
Por mais que o tempo corra, o dano possa.E se ver-vos nesta alma, enfim, quiserdes,
Como num claro espelho, ali vereis
Também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que, só por me não verdes,
Ver-vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
Tanto gosto levais de minha pena!
Que Poderei Do Mundo JĂĄ Querer
Que poderei do mundo jĂĄ querer,
que naquilo em que pus tamanho amor,
nĂŁo vi senĂŁo `desgosto e desamor,
e morte, enfim, que mais nĂŁo pode ser!Pois vida me nĂŁo farta de viver,
pois jĂĄ sei que nĂŁo mata grande dor,
se cousa hĂĄ que mĂĄgoa dĂȘ maior,
eu a verei; que tudo posso ver.A morte, a meu pesar, me assegurou
de quanto mal me vinha; jĂĄ perdi
o que perder o medo me ensinou.Na vida desamor somente vi,
na morte a grande dor que me ficou:
parece que para isto sĂł nasci!
Apolo E As Nove Musas, Discantando
Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influĂam
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:-Ditoso seja o dia e hora, quando
tĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tĂŁo ligeira que quase era invisĂvel.Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algĂŒa esperança me ficou,
serĂĄ de maior mal, se for possĂvel.
Na Desesperação Jå Repousava
Na desesperação jå repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
jĂĄ nĂŁo temia, jĂĄ nĂŁo desejava;quando ĂŒa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.Que crĂ©dito que dĂĄ tĂŁo facilmente
o coração åquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glĂłria jĂĄ do que imagino.
Fermosos Olhos Que Na Idade Nossa
Fermosos olhos que na idade nossa
mostrais do CĂ©u certissimos sinais,
se quereis conhecer quanto possais,
olhai me a mim, que sou feitura vossa.Vereis que de viver me desapossa
aquele riso com que a vida dais;
vereis como de Amor nĂŁo quero mais,
por mais que o tempo corra e o dano possa.E se dentro nest’alma ver quiserdes,
como num claro espelho, ali vereis
também a vossa, angélica e serena.Mas eu cuido que só por não me verdes,
ver vos em mim, Senhora, nĂŁo quereis:
tanto gosto levais de minha pena!
Ah! Fortuna Cruel! Ah! Duros Fados!
Ah! Fortuna cruel! Ah! duros Fados!
QuĂŁo asinha em meu dano vos mudastes!
Passou o tempo que me descansastes,
agora descansais com meus cuidados.Deixastes-me sentir os bens passados,
para mor dor da dor que me ordenastes;
entĂŁo nĂŒ’hora juntos mos levastes,
deixando em seu lugar males dobrados.Ah! quanto milhor fora nĂŁo vos ver,
gostos, que assi passais tĂŁo de corrida,
que fico duvidoso se vos vi:sem vĂłs jĂĄ me nĂŁo fica que perder,
se nĂŁo se for esta cansada vida,
que por mor perda minha nĂŁo perdi.
Corro Após este Bem que não se Alcança
Oh como se me alonga de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encurta, e como ao fim caminha
Este meu breve e vĂŁo discurso humano!Minguando a idade vai, crescendo o dano;
Perdeu-se-me um remédio, que inda tinha;
Se por experiĂȘncia se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio, e perco a confiança.Quando ele foge, eu tardo; e na tardança,
Se os olhos ergo a ver se inda aparece,
De vista se me perde, e da esperança.
Para que quero a GlĂłria Fugitiva?
Jå é tempo, jå, que minha confiança
Se desça duma falsa opinião;
Mas Amor nĂŁo se rege por razĂŁo,
Não posso perder, logo, a esperança.A vida sim, que uma åspera mudança
Não deixa viver tanto um coração.
E eu só na morte tenho a salvação?
Sim, mas quem a deseja não a alcança.Forçado é logo que eu espere e viva.
Ah dura lei de Amor, que nĂŁo consente
Quietação num’alma que Ă© cativa!Se hei-de viver, enfim, forçadamente,
Para que quero a glĂłria fugitiva
Duma esperança vã que me atormente?
Posto me tem Fortuna em tal estado
Posto me tem Fortuna em tal estado,
E tanto a seus pés me tem rendido!
NĂŁo tenho que perder jĂĄ, de perdido;
NĂŁo tenho que mudar jĂĄ, de mudado.Todo o bem pera mim Ă© acabado;
Daqui dou o viver jĂĄ por vivido;
Que, aonde o mal Ă© tĂŁo conhecido,
Também o viver mais serå escusado,Se me basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém;
E curarei um mal com outro mal.E, pois do bem tĂŁo pouco bem espero,
Jå que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.
Me Vejo com MemĂłrias Perseguido
Se quando vos perdi, minha esperança,
A memĂłria perdera juntamente
Do doce bem passado e mal presente,
Pouco sentira a dor de tal mudança.Mas Amor, em quem tinha confiança,
Me representa mui miudamente
Quantas vezes me vi ledo e contente,
Por me tirar a vida esta lembrança.De cousas de que apenas um sinal
Havia, porque as dei ao esquecimento,
Me vejo com memĂłrias perseguido.Ah dura estrela minha! Ah grĂŁo tormento!
Que mal pode ser mor, que no meu mal
Ter lembranças do bem que é jå passado?
Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos
Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?Ă bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mĂĄgoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!Das outras que serĂĄ, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao CĂ©u subiu, que jĂĄ *se* lhe devia.
Senhora minha, se de pura inveja
Senhora minha, se de pura inveja
Amor me tolhe a vista delicada,
A cor, de rosa e neve semeada,
E dos olhos a luz que o Sol deseja,NĂŁo me pode tolher que vos nĂŁo veja
Nesta alma, que ele mesmo vos tem dada,
Onde vos terei sempre debuxada,
Por mais cruel inimigo que me seja.Nela vos vejo, e vejo que nĂŁo nasce
Em belo e fresco prado deleitoso
SenĂŁo flor que dĂĄ cheiro a toda a serra.Os lĂrios tendes nu~a e noutra face.
Ditoso quem vos vir, mas mais ditoso
Quem os tiver, se hĂĄ tanto bem na terra!
Com Grandes Esperanças Jå Cantei
Com grandes esperanças jå cantei,
com que os deuses no Olimpo conquistara;
despois vim a chorar porque cantara
e agora choro jĂĄ porque chorei.Se cuido nas passadas que jĂĄ dei,
custa me esta lembrança só tão cara
que a dor de ver as mĂĄgoas que passara
tenho pola mor mĂĄgoa que passei.Pois logo, se estĂĄ claro que um tormento
dĂĄ causa que outro n’alma se acrescente,
jĂĄ nunca posso ter contentamento.Mas esta fantasia se me mente?
Oh! ocioso e cego pensamento!
Ainda eu imagino em ser contente?
De Vós Me Aparto, à Vida! Em Tal Mudança
De vós me aparto, ó vida! Em tal mudança,
sinto vivo da morte o sentimento.
NĂŁo sei para que Ă© ter contentamento,
se mais hå de perder quem mais alcança.Mas dou vos esta firme segurança
que, posto que me mate meu tormento,
pelas ĂĄguas do eterno esquecimento
segura passarå minha lembrança.Antes sem vós meus olhos se entristeçam,
que com qualquer cous’ outra se contentem;
antes os esqueçais, que vos esqueçam.Antes nesta lembrança se atormentem,
que com esquecimento desmereçam
a glĂłria que em sofrer tal pena sentem.
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂdo:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.