Textos sobre Maneiras de Blaise Pascal

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Textos de maneiras de Blaise Pascal. Leia este e outros textos de Blaise Pascal em Poetris.

A Distorção do Entendimento

Que difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper esse entendimento pela maneira de propor! Se dizemos: acho isto belo, acho obscuro, ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação para este juízo, ou irritamo-la, levando-a ao juízo contrário. Mais vale nada dizer, e então o outro julga segundo o que é, ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá tiverem posto. Mas pelo menos nós não pusemos nada; a não ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a atribuir-lhe, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão difícil é não deslocar um entendimento da sua base natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!

O Juízo no seu Ponto Natural

Como é difícil propor uma coisa ao juízo alheio, sem lhe corromper o juízo pela maneira de lha propor! Se se diz: acho-o belo, acho-o obscuro, ou outra coisa semelhante, arrasta-se a imaginação a este juízo, ou, pelo contrário, afastamo-la dele. Vale mais não dizer nada; e então ele julga conforme o que é, quer dizer, conforme o que é então e o que as outras circunstâncias de que não somos autores lhe tenham sugerido. Mas ao menos não teremos insinuado nada; a não ser que este silêncio também produza o seu efeito, conforme a volta e a interpretação que estiver de humor a dar-lhe, ou conforme o que conjecturar dos movimentos de expressão da cara ou do tom da voz, conforme for fisionomista: tão difícil é manter um juízo no seu ponto natural, ou antes, tão pouca firmeza e estabilidade há!

O Coração Oco do Homem

Sobrecarregam-se os homens desde a infância com o cuidado da sua honra, do seu bem, dos seus amigos, e ainda com o bem e a honra dos seus amigos. Fatigam-se de afazeres, de aprendizagem de línguas e exercícios, e faz-se-lhes sentir que não poderão ser felizes sem que a sua saúde, a sua honra, a sua fortuna e a dos seus amigos estejam em bom estado e que uma só coisa que faltasse os tornaria desgraçados. Assim dão-se-lhes cargos e negócios que os fazem afadigar-se desde o amanhecer. – Aí está, direis, uma estranha maneira de os tornar felizes!
Que poderia fazer-se de melhor para os tornar desgraçados? – Como! O que se poderia fazer? Bastava apenas tirar-lhes todos estes cuidados; pois então ver-se-iam a si mesmos, pensariam no que são, donde vêm e para onde vão; e assim não os podem ocupar demais nem desviá-los. E é por isso que, depois de lhes terem preparado tantos afazeres, se têm algum tempo de descanso, os aconselham a empregá-lo a divertir-se, a jogar e a ocupar-se sempre inteiramente.

Ninguém se Admira com a sua Fraqueza

O que mais me admira ver é como ninguém se admira com a sua fraqueza. Age-se de maneira séria e cada um segue a sua condição, não porque é bom segui-la, mas porque é moda; mas como se cada um soubesse de maneira certa onde é que está a razão e a justiça. Encontramo-nos enganados constantemente; e, por uma humildade divertida, julgamos que é por nossa culpa e não da arte que nos gabamos sempre de ter. Mas é bom que haja tantas pessoas assim no Mundo, que não sejam pirrónicas, para glória do pirronismo, para mostrar que o homem é bem capaz das mais extravagantes opiniões, visto que é capaz de crer que não está nesta fraqueza natural e inevitável, e crer que está, pelo contrário, na sabedoria natural.
Nada fortifica mais o pirronismo do que o facto de haver quem não seja nada pirrónico: se todos o fossem, eles não teriam razão.

O Espírito Coxo

Porque será que um coxo não nos irrita, e um espírito coxo nos irrita? Porque um coxo reconhece que andamos direito, enquanto um espírito coxo diz que somos nós que coxeamos; se assim não fosse, teríamos pena e não raiva. Epicteto pergunta com muito mais força: «Porque é que não nos zangamos se se diz que nos dói a cabeça, e nos zangamos se se diz que raciocinamos mal, ou que escolhemos mal?». 0 que origina isto é o estarmos certos de que não nos dói a cabeça e de que não somos coxos; mas não estamos assim tão seguros de que escolhemos a verdade. De maneira que, não estando certos senão porque o vemos com os nossos olhos, quando outro vê com os seus olhos o contrário, pomo-nos em suspenso e espantamo-nos, e ainda mais quando mil outros se riem da nossa escolha; pois é preciso preferir as nossas luzes às de tantos outros, o que é temerário e difícil. Nunca há esta contradição no que concerne a um coxo.

Fé No Sentimento

A razão age com lentidão, e com tantas vistas, sobre tantos princípios, os quais é mister estejam sempre presentes, que a todo o instante adormece ou perde-se, deixa de ter todos os seus princípios presentes. O sentimento não age dessa maneira; age instantaneamente, e está sempre pronto para agir. É preciso, pois, depositar a nossa fé no sentimento; de outro modo, ela será sempre vacilante.
(…) O último passo da razão é o de reconhecer que existe uma infinidade de coisas que a ultrapassam; se não chegar a isso, é porque é fraca.