O Meu Primeiro Poema
Têm-me perguntado muitas vezes quando escrevi o primeiro poema, quando nasceu a minha poesia. Tentarei recordá-lo. Muito para trás, na minha infância, mal sabendo ainda escrever, senti uma vez uma intensa comoção e rabisquei umas quantas palavras semi-rimadas, mas estranhas para mim, diferentes da linguagem quotidiana. Passei-as a limpo num papel, dominado por uma ansiedade profunda, um sentimento até então desconhecido, misto de angústia e de tristeza. Era um poema dedicado à minha mãe, ou seja, àquela que conheci como tal, a angélica madrasta cuja sombra suave me protegeu toda a infância. Completamente incapaz de julgar a minha primeira produção, levei-a aos meus pais. Eles estavam na sala de jantar, afundados numa daquelas conversas em voz baixa que dividem mais que um rio o mundo das crianças e o dos adultos. Estendi-lhes o papel com as linhas, tremente ainda da primeira visita da inspiração. O meu pai, distraidamente, tomou-o nas mãos, leu-o distraidamente, devolveu-mo distraidamente, dizendo-me:
— Donde o copiaste?E continuou a falar em voz baixa com a minha mĂŁe dos seus importantes e remotos assuntos. Julgo recordar que nasceu assim o meu primeiro poema e que assim tive a primeira amostra distraĂda de crĂtica literária.
Textos sobre Visita de Pablo Neruda
2 resultadosA Poesia
… Quantas obras de arte… Já nĂŁo cabem no mundo… Temos de as pendurar fora dos quartos… Quantos livros… Quantos livrecos… Quem será capaz de os ler?… Se fossem comestĂveis… Se numa panela de grande calado os fizĂ©ssemos em salada, os picássemos, os alinhássemos… Já nĂŁo se pode mais… Estamos atĂ© ao pescoço… O mundo afoga-se na marĂ©… Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que nĂŁo me trouxesse mais livros… NĂŁo poderia abri-los. NĂŁo tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… Todos conhecem Eliot… Antes de ser pintor, de dirigir teatros, de escrever luminosas crĂticas, lia os meus versos… Sentia-me lisonjeado… NinguĂ©m os compreendia melhor… AtĂ© que um dia começou a ler-me os seus e eu, egoisticamente, corri a protestar: «NĂŁo mos leia, nĂŁo mos leia»… Fechei-me no quarto de banho, mas Eliot, atravĂ©s da porta, lia-mos… Fiquei muito triste… O poeta Frazer, da EscĂłcia, estava presente… Increpou-me: «Porque tratas assim Eliot?»… Respondi: «NĂŁo quero perder o meu leitor. Cultivei-o. Conhece atĂ© as rugas da minha poesia… Tem tanto talento… Pode fazer quadros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este leitor, conservá-lo, regá-lo como planta exĂłtica… Compreendes-me, Frazer?»… Porque a verdade, se isto continua,