Passagens de Tomaz de Figueiredo

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Ă€ Braseira

Saio da tua casa. Escorrega,
do codo, a rua. Alcanço a porta amiga
de teu Tio, que espera a suecada.
Ah! que rica braseira! Levas, pronto,
uma chita, ou lavagem, ou lambida,
ou rapada. Um jagodes, na Emissora,
alude a um trintanário de missas
que impĂ´s um qualquer coiso em testamento.
Eu barafusto. Rica bacorada!
Que viva a bela pândega dos burros!
A braseira consola. Cai folheca
lá fora. Os vidros suam, lagrimejam.
Apanhas, de seguida, trĂŞs capotes.

Posfácio à Toca do Lobo

– Pai, vem da morte e vamos Ă s perdizes.
Vejo a aurora, que tinge do seu rajo
de dente a dente a Serra de Soajo…
– Ciprestes, desatai-o das raĂ­zes!

– Este Inverno as perdizes estĂŁo em barda:
criaram-se as ninhadas sem granizo.
Vamos chumbar dos perdigões o guizo,
anda matar securas da espingarda.

A tua Holland… O animal de presa…
O azul brunido… Velha e como nova…
Bem a merecias a alegrar-te a cova.
Penou-te de saudades, com certeza.

Aqui a tens. Porque era ver-te, olhá-la,
sequer um dia que nĂŁo fosse vĂŞ-la.
Olha deluz-se a derradeira estrela,
já folga a luz no lustra aqui da sala.

Trinta anos depois, caçar contigo,
e sempre conversando e Ă  chalaça…
Mais que perdizes, hoje, melhor caça
É matar fomes do caçar antigo.

Ver-te sorrir Ă  escapatĂłria sonsa
da velha que não viu «perdiz nem chasco!»
E o Lorde a anunciá-la sob o fasco,
e tu lambendo o cigarrinho de onça…

Ó pai, se não vivias há trinta anos,
também há trinta eu não vivia,

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Para quĂŞ me Deste Ă  Vida?

Para que foi, Ăł MĂŁe, que me criaste?
Mas — antes! — para quê me deste à vida?
Emendando: porquĂŞ, de espavorida,
o pescoço me não estorcegaste?

Melhor andaras, MĂŁe, pois destinaste,
assim, a tua carne a ser perdida.
Ah! Mãe! Na tua gélida jazida,
saberás que, ao seres mãe, me assassinaste?

Se o sabes, no teu ventre, como cunhas,
deves cravar, em desespero, as unhas,
deves na campa estertorar aos ais.

Aqui estou, Mãe, agora, nestas ânsias.
Aqui estou, sem estar. Rojo em distâncias,
só e sem mim, — que é um só demais.