Uns Lindos Olhos, Vivos, Bem Rasgados
Uns lindos olhos, vivos, bem rasgados,
Um garbo senhoril, nevada alvura;
Metal de voz que enleva de doçura,
Dentes de aljĂŽfar, em rubi cravados:Fios de ouro, que enredam meus cuidados,
Alvo peito, que cega de candura;
Mil prendas; e (o que Ă© mais que formosura)
Uma graça, que rouba mil agrados.Mil extremos de preço mais subido
Encerra a linda MĂĄrcia, a quem of’reço
Um culto, que nem dela inda é sabido:Tão pouco de mim julgo que a mereço,
Que enojĂĄ-la nĂŁo quero de atrevido
Co’ as penas, que por ela em vĂŁo padeço.
Passagens de Filinto ElĂsio
14 resultadosMoralidade
à nosso coração vorage imensa,
Em que Honras, Cargos, lĂșbrica Ventura
São dos Desejos vagos a mantença,
Que, gozados, os manda Ă sepultura,
Para abrir nova boca Ă turba densa
De prazeres de nova formosura
Quais das talhas das Bélides impias,
Se esvaecem as ĂĄguas fugidias.
Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado
1
Tinha de fachos mil a noite ornado
A argentada Princesa:
De amor, graça e beleza
O campo etéreo Vénus povoado.2
A Terra, com perfume precioso
Em torno recendia;
E plĂĄcido dormia
Sobre a dourada areia o pego undoso;3
Quando veio roubar a formosura
De tudo o que Ă© criado,
MĂĄrcia, fiel traslado
Da beleza do Céu, sublime e pura;4
Com LĂrios, que estendeu, vestiu ufana
A forma divinal;
Em aceso coral
Tingiu, sorrindo, a boca soberana,5
As madeixas tomou das veias de ouro,
Nos olhos pĂŽs safiras,
Que das setas, que atiras,
SĂŁo, fero Amor, o mais caudal tesouro.6
Todos seus dons lhe pÎs o Céu no peito;
Como orna o Régio Sposo,
C’o enfeite mais custoso,
A Princesa, a quem rende a alma, sujeito.7
Eu vi afadigados os Amores,
E as Graças, que cantavam
Enquanto se moldavam
Seus graciosos gestos vencedores.8
Das Sereias o canto deleitoso
Lhe nasceu sem estudo;
Usos Deste Mundo
Nas praças uns perguntam novidades;
Outros dĂŁo volta Ă s ruas, ao namoro;
Este usuras cobrar, esse as demandas
Lembrar corre ao Juiz que se diverte.
Ir de Jano aprender a ser bifronte,
De MercĂșrio, no trato, a ser bilingue,
Franco no prometer, no dar escasso.
C’os olhos fitos no ĂĄvido interesse
Ser consigo leal, com todos falso
Ă ser homem capaz, home’ entendido.
Assim, que vemos nĂłs por este esconso
Mundo? Vemos logrÔes, vemos logrados;
NinguĂ©m vĂȘs ir com cĂąndido desejo
Aos Sénecas, aos Sócrates de agora
Perguntar as liçÔes tão necessårias
De ser honrado, ser com todos justo.
TĂŁo sobejos se crĂȘem de honra e virtude,
Que cuida cada um poder de sobra
Mostrar na OcasiĂŁo virtude a rodo,
E chega a OcasiĂŁo, falha a virtude.
Nos Foge o Tempo
Se mais que aéreas nuvens pressuroso,
Se mais que inquietas ondas inconstante,
Nos foge o Tempo; Ă© inĂștil o saudoso
Pranto, dado a quem foge; eu incessante
Quero abarcar, e com ardor ansioso
Entranhar na alma cada alegre instante:
Pois que a vida Ă© passagem, as lindas flores
Bom Ă© colher na estrada dos Amores.
Tem a Virtude o Prémio
Tardio Ă s vezes, sempre merecido,
Tem a Virtude o prémio aparelhado
Ao profĂcuo talento, ao peito honrado,
Que do dever o stĂĄdio tem corrido.O SĂĄbio, que dos louros esquecido
SĂł no obrar bem os olhos tem cravado
InĂłpino tambĂ©m se acha c’roado
Por mĂŁos sob’ranas c’o laurel devidoĂtil Ă PĂĄtria seja, as paixĂ”es dome,
Seja piedoso, honesto, afĂĄvel, justo;
Que no futuro o espera Ănclito nome.»Assim falou Minerva ao Coro augusto,
Pondo no Templo do imortal Renome,
De glĂłria ornado, o teu prezado Busto.
Ode à Esperança
1
Vem, vem, doce Esperança, Ășnico alĂvio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c’roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera prĂłxima dĂĄ novas.2
Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidĂŁo pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,3
Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.4
Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C’os ares da melhora,
Tu dås vivos clarÔes ao moribundo,
Nos jĂĄ vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste PĂĄtria.5
Eu jå fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortĂșnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.6
Mas agora, que MĂĄrcia vive ausente;
Que nĂŁo me alenta esquiva
C’o brando mimo dum de seus agrados,
Ode Ă Amizade
Se depois do infortĂșnio de nascermos
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de CalĂșnias
Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A Divina Amizade nĂŁo viera
Com piedosa mĂŁo limpar o pranto,
Embotar com dulcĂssono conforto
As lanças da Amargura;
O Såbio espedaçara os nós da vida
Mal que a RazĂŁo no espelho da ExperiĂȘncia
Lhe apontasse apinhados inimigos
C’o as cruas mĂŁos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho â por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludĂbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a nĂŁo doura, a nĂŁo afaga;
Se com mais fortes nĂłs, que a Natureza,
Lhe nĂŁo ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
NectĂĄrea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Saudade Extrema
1
Gentil Rola, que sobre o ramo seco,
Desse viĂșvo freixo, brandas queixas
Espalhas toda a noite, e escutas o eco
Repetir-te mavioso iguais endechas:2
NĂŁo chores. Ouve a meu saudoso canto,
Que excede quanta mĂĄgoa arroja a sorte:
Ninguém, como eu padece extremo tanto,
Que a ninguém roubou tanto a crua Morte,3
Tu viste MĂĄrcia: a MĂĄrcia, oh Rola, ouviste,
Quanta beleza, oh Céus! quanta doçura!
Tem coração de bronze quem resiste
Ă dor de a ver no horror da sepultura.4
Tu podes ter formosa companhia
Terna e fiel. Filinto desgraçado
Te perdeu a sperança lisonjeira
De achar MĂĄrcia em transunto inanimado.
Desafogo
Onde estĂĄs, oh FilĂłsofo indefesso
Pio sequaz da rĂgida Virtude,
TĂŁo terna a alheios, quanto a si severa?
Com que mĂĄgoa, com que ira olharas hoje
Desprezada dos homens, e esquecida
Aquela Ăąnsia, que em nĂłs pousou Natura
No Ăąmago do peito, â de acudir-nos
Co’as forças, c’o talento, co’as riquezas
Ă pena, ao desamparo do homem justo!
Que (baldĂŁo da fortuna inĂqua) os Deuses
Puseram para sĂmbolo do esforço,
Lutando a braços c’o ĂĄspero infortĂșnio?
Pedra de toque em que luzisse o ouro
De sua alma viril, onde encravassem
Seus farpÔes mais agudos as Desgraças,
E os peitos de virtude generosa
Desferissem poderes de ĂĄrduo auxĂlio?
Que nunca os homens sĂŁo mais sobre-humanos
Mais comparados c’os sublimes Numes,
Que quando acodem com socorro activo,
NĂŁo manchado de sĂłrdido interesse,
Nem do fumo de frĂvola ufania;
Ou cheios de valor e de constĂąncia
Arrostam co’a medonha catadura
Da Desgraça, que apura iradas mågoas
Na casa nua do varĂŁo honesto.
Mas Grécia e Roma hå muito que acabaram;
E as cinzas dos HerĂłis fortes e humanos,
Ă Minha Morte
Sei, que um dia fatal me espera, e talha
A minha vida o estame:
Nem Prosérpina evita uma só frente.
Sei que vivi: mas quando
Tem de soltar-se, ignoro, o vivo laço;
E se claros, ou turvos
Se hĂŁo-de erguer para mim os sĂłis vindouros. â
Pois, que ao sevo Destino
Me Ă© vedado fugir, fugi ao longe
Roazes Amarguras,
Que estes permeios anos minar vĂnheis.
Rir quero â e mui folgado,
De vos ver ir correndo, de encolhidas,
Escondendo na fuga,
As caudas dos medonhos ameaços.
Quero, entre mil saĂșdes,
De vermelha, faustĂssima alegria
Ir passando em resenha,
Taça após taça, a lista dos amigos,
E o coro das formosas,
Que a vida me entreteram com agrado.
E reforçado e lesto
C’o nĂ©ctar da videira, as mĂŁos travando
Co’as engraçadas Musas,
Em dança festival, com pé ligeiro,
Na matizada relva,
Cansar de tanto jĂșbilo o meu sp’rito,
Que se vĂĄ (sem que o sinta)
Continuar o baile nos ElĂsios)
Entre o Garção e Horåcio.
De lĂĄ, em novas Odes,
Que Mimoso Prazer!
1
Que mimoso prazer! Teu rosto amado
Me raiou na alma! Oh astro meu luzente!
Desfez-se em continente
O negrume cerrado,
Que me assombrava o coração aflito,
Em saudades tristĂssimas sopito.2
Bem, como quando aponta o sol radiante
Pelos ervosos cumes dos outeiros;
Fogem bruscos nevoeiros,
Da roxa luz brilhante;
Assim, mal vi teu rosto, assim fugiam
As MĂĄgoas, que de luto a alma cobriam3
Quem sempre assim de amor nos brandos laços!
Doces queixas de amor absorto ouvira!
Da idade nĂŁo sentira
O voo. Entre os teus braços
Me corte o fio, com a fouce, a Morte;
Que perco a vida, sem sentir o corte!4
Se a meiga Vénus, se o gentil Cupido
Cede a meus votos, cede Ă minha Amada:
Se esta uniĂŁo prezada
NĂŁo rompe um Nume infido…
NĂŁo dou por mais feliz o vil Mineiro
Sobre montes de sĂłrdido dinheiro.5
NĂŁo dou por mais feliz o Rei no trono
Lisonjado de CortesĂŁos astutos.
Quando a Fortuna Encetou com Desgraças
Quando a Fortuna, de inconstante aviso,
Encetou com desgraças
O varĂŁo que nĂŁo veio humilde, abjecto
Adorar o seu Nume,
Na refalsada Corte, ou ante os cofres
Chapeados de Pluto;
Levando avante, o seu empenho, e acinte,
Maléfica lhe emborca
Sobre a cabeça a mågoas devotada,
Toda a Urna infelice,
Que Jove encheu colĂ©rico co’as penas
De atormentado inferno.
Dos ombros do VarĂŁo constante e justo
Resvalam debruçadas
Perdas de bens, desonras mal sofridas
A lhe aferrar o peito
Co’as garras afaimadas da pobreza;
Logo os tristes Pesares
Em torno ao coração serpeiam, mordem,
Trajando a rojo lutos.
Vem a mĂĄ nova, de agouradas falas,
Que se compÔe sequela
De tibiezas, senÔes, desconfianças,
Desamparo de amigos.
A Doença, com mão finada abrange
Os fatigados membros
E no Ăąmago do peito as amargaras
VĂŁo assentar morada.
Com Ăndice maligno a ProvidĂȘncia
Lhe aponta no futuro,
Em nebuloso quadro hĂłrridas formas
De sinistros sucessos.
Quem nĂŁo quisera, com melhor semblante
Despedir-se do dia,
E fraudar, com as sombras do jazigo,
Prazer! Prazer! oh Falso, oh Bandoleiro!
«Prazer! Prazer! oh falso, oh bandoleiro!
Que fugindo te ausentas
De nĂłs, sem saudade, e tĂŁo ligeiro:
As penas nos aumentas,
Se, mal que te acolhemos, jå nos deixas».
Eis que o lindo Prazer tĂŁo suspirado
Me responde: â Que vĂŁs sĂŁo tuas queixas!
Aos Numes graças rende, que hão criado
O Prazer breve: que, a ser eu comprido,
Me houveram (certo) para si retido.