Desafogo
Onde estás, oh Filósofo indefesso
Pio sequaz da rĂgida Virtude,
TĂŁo terna a alheios, quanto a si severa?
Com que mágoa, com que ira olharas hoje
Desprezada dos homens, e esquecida
Aquela ânsia, que em nós pousou Natura
No âmago do peito, — de acudir-nos
Co’as forças, c’o talento, co’as riquezas
Ă€ pena, ao desamparo do homem justo!
Que (baldĂŁo da fortuna inĂqua) os Deuses
Puseram para sĂmbolo do esforço,
Lutando a braços c’o áspero infortĂşnio?
Pedra de toque em que luzisse o ouro
De sua alma viril, onde encravassem
Seus farpões mais agudos as Desgraças,
E os peitos de virtude generosa
Desferissem poderes de árduo auxĂlio?
Que nunca os homens sĂŁo mais sobre-humanos
Mais comparados c’os sublimes Numes,
Que quando acodem com socorro activo,
NĂŁo manchado de sĂłrdido interesse,
Nem do fumo de frĂvola ufania;
Ou cheios de valor e de constância
Arrostam co’a medonha catadura
Da Desgraça, que apura iradas mágoas
Na casa nua do varĂŁo honesto.
Mas Grécia e Roma há muito que acabaram;
E as cinzas dos HerĂłis fortes e humanos,
Que as cĂvicas coroas preferiam
Ao louro triunfal, tinto de sangue,
Hoje as pisa, hoje espalha desdenhoso
O vulgo cego dos Filautes duros,
Surdo Ă voz que o repreende vingadora.
Que os homens, de imprudentes, não alcançam,
Que o perene prazer Ăşnico e puro,
Que o CĂ©u outorga neste esquivo exĂlio,
E o que se esparge pelos seios da alma,
E que a transpassa de imortal deleite,
Quando partimos, com bizarra dextra,
Os bens, que liberal nos deu a sorte,
E vemos transluzir radiosa e viva
A Alegria no rosto do afligido,
A Dissabor molesto condenado.