Passagens sobre Cegos

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Frases sobre cegos, poemas sobre cegos e outras passagens sobre cegos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Repouso

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta Prisão impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho é sempre o seu bordão secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os círculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso é sempre a febre d’alma,
O seu repouso é sonho, e sonho eterno.

O Amor em Visita

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.

Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.

Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,

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À Cruz

Se em golfo de sereias proceloso,
Empenho repetido do cuidado,
O sábio grego, ao duro mastro atado,
As sereias escapa cauteloso;

Eu, no mar deste mundo tormentoso,
De sirtes e sereias povoado,
À vossa cruz, Senhor, sempre abraçado,
Os perigos escape venturoso.

Oh! Livrai-me, meu Deus, de tanto astuto
Labirinto, de tanto cego encanto,
Para que colha desta planta o fruto;

Que é justo, doce Amor, em risco tanto,
Se salva a Ulisses um madeiro bruto,
Que a mim me salve este madeiro santo.

Vem, oh Noite Sombria

Vem, oh noite sombria, e revolvendo
O longo açoite, que à carreira acende
As fuscas Éguas, sobre a terra estende
De sombras carregado o manto horrendo:

Vem: e as brancas papoilas espremendo,
Em letárgico sono os mortais prende;
Que a minha bela Aglaia hoje me atende,
A meu amor mil glórias prometendo.

Se às minhas vozes dás benigno ouvido,
Encobrindo com teu escuro manto
Os suaves delírios de amor cego;

Imolar-te prometo agradecido
Um negro galo, que em contínuo canto
Se atreve a perturbar o teu sossego.

Mudo, Mundo

Como será que os pássaros que vivem no alto mar
dormem? e como será
que o sono demora
no corpo das mulheres
e pode se ajeitar
entre o ventre e a virilha
e como será que a música
que é gravada
permanece no silêncio anos?
e como será que os seios
ignoram o resto do corpo
e vivem a mesma vida
do resto do corpo, enfeite,
punhal, precisa beleza
na morte da madrugada
onde o corpo não dorme
e como será que o cavalo negro
acolhe a presença da lua
na límpida noite
e, ao chegar da manhã,
acolhe a presença da moça
nua que será reflectida
nos seus olhos
maior que a manhã
e como será que a manhã
acolhe em seu puro ventre
os seus irmãos rios?
e como será que a terra
sabe guardar silêncio sobre a morte
e como será que as cobras
se encontram nas florestas
e como será que o homem vive
sem abraçar o dia
e o viandante — irmão do dia?

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À Fragilidade da Vida Humana

Esse baixel nas praias derrotado
Foi nas ondas Narciso presumido;
Esse farol nos céus escurecido
Foi do monte libré, gala do prado.

Esse nácar em cinzas desatado
Foi vistoso pavão de Abril florido;
Esse estio em vesúvios encendido
Foi Zéfiro suave em doce agrado.

Se a nau, o sol, a rosa, a Primavera
Estrago, eclipse, cinza, ardor cruel
Sentem nos auges de um alento vago,

Olha, cego imortal, e considera
Que és rosa, primavera, sol, baixel,
Para ser cinza, eclipse, incêndio, estrago.

Génio do Mal

Gostavas de tragar o universo inteiro,
Mulher impura e cruel! Teu peito carniceiro,
Para se exercitar no jogo singular,
Por dia um coração precisa devorar.
Os teus olhos, a arder, lembram as gambiarras
Das barracas de feira, e prendem como garras;
Usam com insolência os filtros infernais,
Levando a perdição às almas dos mortais.

Ó monstro surdo e cego, em maldades fecundo!
Engenho salutar, que exaure o sangue do mundo
Tu não sentes pudor? o pejo não te invade?
Nenhum espelho há que te mostre a verdade?
A grandeza do mal, com que tu folgas tanto.
Nunca, jamais, te fez recuar com espanto
Quando a Natura-mãe, com um fim ignorado,
— Ó mulher infernal, rainha do Pecado! —
Vai recorrer a ti para um génio formar?

Ó grandeza de lama! ó ignomínia sem par.

Tradução de Delfim Guimarães

Bem Mostrou o Pintor Estilo Agudo

Bem mostrou o pintor estilo agudo
No retrato, senhora, que vos mando,
Pois não só o parecer foi retratando,
Mas os efeitos com mais alto estudo.

Se vai mudo ante vós, eu fico mudo;
Se surdo, e cego, bem cego, e surdo ando;
Se morto, a vida vai-se-me acabando;
Em fim que vai conforme a mim em tudo.

Mas na ventura fica avantajado,
Que vai (com gosto vosso) à vossa mão,
Onde será melhor visto, e tratado:

Mercês, que se deviam por razão
Ao próprio original, porque o traslado
Não vê, nem sente de que preço são.

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago…
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho…

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!…

E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!

Saudades

Serei eu alguma hora tão ditoso,
Que os cabelos, que amor laços fazia,
Por prémio de o esperar, veja algum dia
Soltos ao brando vento buliçoso?

Verei os olhos, donde o sol formoso
As portas da manhã mais cedo abria,
Mas, em chegando a vê-los, se partia
Ou cego, ou lisonjeiro, ou temeroso?

Verei a limpa testa, a quem a Aurora
Graça sempre pediu? E os brancos dentes,
por quem trocara as pérolas que chora?

Mas que espero de ver dias contentes,
Se para se pagar de gosto uma hora,
Não bastam mil idades diferentes?

Moral Vazia

O que nós chamamos a moral não passa de um empreendimento desesperado dos nossos semelhantes contra a ordem universal, que é a luta, a carnificina e o jogo cego de forças contrárias.
(…) Cada época tem a sua moral dominante, que não resulta nem da religião nem da filosofia, mas do hábito, única força capaz de reunir os homens num mesmo sentimento, pois tudo o que é sujeito ao raciocínio divide-os; e a humanidade só subsiste com a condição de não reflectir sobre aquilo que é essencial para a sua existência.
(…) A moral é a ciência dos costumes, e com eles muda. Ela difere de país para país e em nenhum lugar permanece a mesma no espaço de dez anos.

O Carácter do Destino

Não só as coisas acontecem com as pessoas, (…) cada um gera também aquilo que acontece consigo. Gera-o, invoca-o, não deixa de escapar àquilo que tem de acontecer. O homem é assim. Fá-lo, mesmo que saiba e sinta logo, desde o primeiro momento, que tudo o que faz é fatal. O homem e o seu destino seguram-se um ao outro, evocam-se e criam-se mutuamente. Não é verdade que o destino entre cego na nossa vida, não. O destino entra pela porta que nós mesmo abrimos, convidando-o a passar. Não há nenhum ser humano que seja bastante forte e inteligente para desviar com palavras ou com acções o destino fatal que advém, segundo leis irrevogáveis, da sua natureza, do seu carácter.

Quem parte treme, quem regressa teme. Tem-se medo de se ter sido vencido pelo Tempo, medo de que a ausência tenha devorado as lembranças. A saudade é um morcego cego que falhou fruto e mordeu a noite.

Soneto XXVII

Enfim que me cortais o fio leve
Que me tecia em vão minha esperança,
Quanto me prometeu, quão pouco alcança,
De quão larga me foi quanto hoje é breve,

C’um doce engano um tempo me deteve.
Guardou-me para agora esta mudança,
Mas não me mudará da segurança
Que meu amor a vossos olhos deve.

Mas ai fermosos olhos que tornastes
Descubrir-me esta noite essa lux vossa,
Qual Lua à nau que lida em bravo pego.

Mas não seja essa lux que me mostrastes
Só porque ver o meu naufrágio possa,
Que é menor o pirigo a quem vai cego.