Passagens sobre Duros

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Frases sobre duros, poemas sobre duros e outras passagens sobre duros para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Um Campo Batido pela Brisa

A tua nudez inquieta-me.

Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,

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A Intimidade do Escritor

Há quase um ano sozinho, na antiga vida de solteirão. Tem sido duro, mas útil. De vez em quando faz-me bem estar só e desamparado. É nessas horas que sinto mais profundamente a significação de uma mulher ao lado do artista. A história literária exibe prodigamente o cenário feminino e mundano que aconchega os criadores e lhes embeleza a vida. Mas diz-nos pouco das companheiras quotidianas, domésticas e anónimas, a verem nascer a obra, a aquecê-la com chávenas de chá, e a renunciarem à alegria de a conhecer na emoção virginal de um leitor apanhado de surpresa. E nada de mais significativo e decisivo do que essa ajuda e do que essa renúncia. As Récamiers são o estímulo de fora, higiénico e lisonjeiro; enquanto que as outras, íntimas e apagadas, empurram o carro trôpego da criação debaixo de todos os ventos, e sem aplausos no fim. O seu lema é a aceitação calma e confiante dos desânimos, dos rascunhos, das mil tentativas falhadas. E quando a obra, finalmente acabada, empolga o público, já tem atrás de si um tal cansaço, uma tal soma de horas desesperadas, que só com um grande amor a podem ainda olhar.
Por esse amor não existir,

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O Paradoxo da Afectividade

O erro dos sentimentais não está em crer que existem «ternos afectos», mas em se considerarem com direito a esses afectos, em nome da sua própria natureza. Enquanto apenas as naturezas duras e resolutas sabem criar à sua volta um círculo de ternas afeições. E é evidente – tragédia – que essas o gozam menos. Quem tem dentes, etc.

Conceitos de Perfeição

Nasce o ideal da nossa consciência da imperfeição da vida. Tantos, portanto, serão os ideais possíveis, quantos forem os modos por que é possível ter a vida por imperfeita. A cada modo de a ter por imperfeita corresponderá, por contraste e semelhança, um conceito de perfeição. É a esse conceito de perfeição que se dá o nome de ideal.
Por muitas que pareça que devem ser as maneiras por que se pode ter a vida por imperfeita, elas são, fundamentalmente, apenas três. Com efeito, há só três conceitos possíveis de imperfeição, e, portanto, da perfeição que se lhe opõe.

Podemos ter qualquer coisa por imperfeita simplesmente por ela ser imperfeita; é a imperfeição que imputamos a um artefacto mal fabricado. Podemos, por contra, tê-la por imperfeita porque a imperfeição resida, não na realização, senão na essência. Será quantitativa ou qualitativa a diferença entre a essência dessa coisa imperfeita e a essência do que consideramos perfeição; quantitativa como se disséssemos da noite, comparando-a ao dia, que é imperfeita porque é menos clara; qualitativa como se, no mesmo caso, disséssemos que a noite é imperfeita porque é o contrário do dia.
Pelo primeiro destes critérios, aplicando-o ao conjunto da vida,

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Oficina Irritada

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

Pensar é o trabalho mais duro que há. O que é, provavelmente, o motivo porque tão pouca gente se dedica a fazê-lo.

Da Resistência

Cantarei versos de pedras.

Não quero palavras débeis
para falar do combate.
Só peço palavras duras,
uma linguagem que queime.

Pretendo a verdade pura:
a faca que dilacere,
o tiro que nos perfure,
o raio que nos arrase.

Prefiro o punhal ou foice
às palavras arredias.
Não darei a outra face.

No Mar em que de Novo Amor me Guia

No mar em que de novo amor me guia,
O mais seguro porto é dar à costa;
Aonde todos se perdem, aí está posta
Minha salvação, aí me salvaria.

Só fé me há-de salvar nesta porfia
Do vento, que contrário vem de aposta;
E pois sua mor perda é dar à costa
Comigo, eu com Costa me queria.

Que vai já o querer, aonde a ventura
Criou tão desigual merecimento?
Valha-me pura fé, vontade pura!

Valha-me navegar meu pensamento
Com tal estrela, cuja formosura
Abranda o duro mar de meu tormento.

Soneto 399 Pós-Moderno

Cinema Novo, Bossa Nova, tudo
é novo nesta terra! A velharia
nos vem só do estrangeiro. O que seria
do Chaplin sem o velho cine mudo?

Temos tempos modernos! Também mudo
meu modo de pensar a poesia.
Concreto e verso livre contagia,
mas algo mais à frente aguarda estudo:

É o raio do soneto, que ora volta
liberto das amarras do conceito
e sem as igrejinhas como escolta.

Depois do modernismo, vem refeito.
Até o vocabulário já se solta:
ao puro é duro, e ao sujo está sujeito.

A Vida é Líquida

É crua a vida. Alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida. Como um naco de víbora.
Como-a no livro da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida, lavo-me
No estreito-pouco
Do meu corpo, lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha púmblea, me casaco rosso
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua. Faminta como o bico dos corvos.
E pode ser tão generosa e mítica: arroio, lágrima
Olho d’água, bebida. A vida é liquída.

Também são cruas e duras as palavras e as caras
Antes de nos sentarmos à mesa, tu e eu, Vida
Diante do coruscante ouro da bebida. Aos poucos
Vão se fazendo remansos, lentilhas d’água, diamantes
Sobre os insultos do passado e do agora. Aos poucos
Somos duas senhoras, encharcadas de riso, rosadas
De um amora, um que entrevi no teu hálito, amigo
Quando me permitiste o paraíso. O sinistro das horas
Vai se fazendo olvido. Depois deitadas, a morte
É um rei que nos visita e nos cobre de mirra.

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Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei

Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso

Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo

Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

Os Ideais São Superiores às Crenças

Sou, simplesmente, uma pessoa com algumas ideias que lhe têm servido de razoável governo em todas as circunstâncias, boas ou más, da vida. Costuma-se dizer que o melhor partido para um crente é comportar-se como se Deus estivesse sempre a olhar para ele, situação, imagino eu, que nenhum ser humano terá estofo para aguentar, ou então é porque já estará muito perto de tornar-se, ele próprio, Deus. De todo o modo, e aproveitando o símile, o que eu tenho feito é imaginar que essas tais ideias minhas, estando dentro de mim como devem, também estão fora — e me observam. E realmente não sei o que será mais duro: se prestar contas a Deus, por intermédio dos seus representantes, ou às ideias, que os não têm. Segundo consta, Deus perdoa tudo — o que é uma excelente perspectiva para os que nele acreditem. As ideias, essas, não perdoam. Ou vivemos nós com elas, ou elas viverão contra nós — se não as respeitámos.

As pessoas podem ser realmente muito inteligentes e ter habilidades incríveis, mas se elas não acreditarem nisso, então elas não iram trabalhar duro o suficiente para se aprimorar.

XXXVII

Continuamente estou imaginando,
Se esta vida, que logro, tão pesada,
Há de ser sempre aflita, e magoada,
Se como o tempo enfim se há de ir mudando:

Em golfos de esperança flutuando
Mil vezes busco a praia desejada;
E a tormenta outra vez não esperada
Ao pélago infeliz me vai levando.

Tenho já o meu mal tão descoberto,
Que eu mesmo busco a minha desventura;
Pois não pode ser mais seu desconcerto.

Que me pode fazer a sorte dura,
Se para não sentir seu golpe incerto,
Tudo o que foi paixão, é já loucura!

A Água

Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.

E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!

Fui pranto de perdão e de humildade…
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!…

E fui rio… e fui mar… e onda… e espuma…
E, em sonho de Poetas, fui à bruma…
O vago… o indeciso… o que não sei….