Poemas sobre Semana

13 resultados
Poemas de semana escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Missa de Aniversário

Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez
florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão.

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Domingo Irei

Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros,
Contente da minha anonimidade.
Domingo serei feliz — eles, eles…
Domingo…
Hoje é quinta-feira da semana que não tem domingo…
Nenhum domingo. —
Nunca domingo. —
Mas sempre haverá alguém nas hortas no domingo que vem.
Assim passa a vida,
Sutil para quem sente,
Mais ou menos para quem pensa:
Haverá sempre alguém nas hortas ao domingo,
Não no nosso domingo,
Não no meu domingo,
Não no domingo…
Mas sempre haverá outros nas hortas e ao domingo!

Adiamento

Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã…
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não…
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico…
Esta espécie de alma…
Só depois de amanhã…
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte…
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos…
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã…
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro…

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã…
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância…
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,

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Retrato do Artista em Cão Jovem

Com o focinho entre dois olhos muito grandes
por trás de lágrimas maiores
este é de todos o teu melhor retrato
o de cão jovem a que só falta falar
o de cão através da cidade
com uma dor adolescente
de esquina para esquina cada vez maior
latindo docemente a cada lua
voltando o focinho a cada esperança
ainda sem dentes para as piores surpresas
mas avançando a passo firme
ao encontro dos alimentos

aqui estás tal qual
és bem tu o cão jovem que ninguém esperava
o cão de circo para os domingos da família
o cão vadio dos outros dias da semana
o cão de sempre
cada vez que há um cão jovem
neste local da terra

lâmpada votiva

1. teve longa agonia a minha mãe

teve longa agonia a minha mãe:
seu ser tornou-se um puro sofrimento
e a sua voz apenas um lamento
sombrio e lancinante, mas ninguém

podia fazer nada, era novembro,
levou-a o sol da tarde quando a face
lhe serenou, foi como se acordasse
outra espessura dela em mim. relembro

sombras e risos, coisas pequenas, nadas,
e horas graves da infância e idade adulta
que este silêncio oculta e desoculta
nessas pobres feições desfiguradas.

quanta canção perdida se procura,
quanta encontrada em lágrimas murmura.

2. e não queria ser vista e foi envolta

e não queria ser vista e foi envolta
num lençol branco em suas dobras leves,
pus junto dela algumas rosas breves
e a lembrança represa ficou solta

e foi à desfilada. De repente,
a minha mãe já não estava morta:
era o vulto que à noite se recorta
na luz do corredor, se está doente

algum de nós, a mão que pousa e traz
algum sossego à fronte,

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Isto anda tudo ligado

Ainda não vi ainda não
a impressionante mariposa
a pretendente pesarosa
a tarde morna e vagarosa
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o riso que tudo desvenda
o reverendo e a reverenda
o leão ferido e a sua senda
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
as artimanhas da saudade
a caravana na cidade
a incorruptibilidade
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá
Ainda não vi ainda não
o abraço à porta da taberna
a ideológica lanterna
a mão que avança para a perna
a face clara da possível confusão
Ainda não vi a hora H
ainda não vi a mão em V
ainda não vi o dia D
em que a guerra final começará

Quando eu nascer para a semana ó mana
quando eu nascer para a semana
hei-de ouvir o teu parecer
hás-de me dizer
se é cada coisa para seu lado
ou se isto anda tudo ligado
Ainda não vi ainda não
a grossa lágrima ao espelho
o grande chefe e o seu grupelho
o azul-turquesa e o vermelho
as duas faces da provável solidão
Ainda não vi a bomba H
ainda não vi a de neutrões
ainda não vi os meus travões
a ver se paro antes de chegar lá

Noite Fechada

L.

Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?

Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
Às janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.

Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!

Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.

Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.

Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.

A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!

E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,

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Família

Três meninos e duas meninas,
sendo uma ainda de colo.
A cozinheira preta, a copeira mulata,
o papagaio, o gato, o cachorro,
as galinhas gordas no palmo de horta
e a mulher que trata de tudo.

A espreguiçadeira, a cama, a gangorra,
o cigarro, o trabalho, a reza,
a goiabada na sobremesa de domingo,
o palito nos dentes contentes,
o gramofone rouco toda a noite
e a mulher que trata de tudo.

O agiota, o leiteiro, o turco,
o médico uma vez por mês,
o bilhete todas as semanas
branco! mas a esperança sempre verde.
A mulher que trata de tudo
e a felicidade.

Funeral Blues

Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cão com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.

Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.

Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana útil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.

As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.

Um Campo Batido pela Brisa

A tua nudez inquieta-me.

Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,

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Deus Triste

Deus é triste.

Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.

A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.

A tristeza de Deus é como Deus: eterna.

Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.

Perseverança

Não digas que o trabalho é desperdiçado,
Nem que o esforço falha ou parece, no fundo;
Não digas que aquele ao dever curvado
É um entre os tantos sonhos do mundo.

Pois não é em vão que em golpes seguidos,
Com pressa medida, em fragor crescente,
O mar actua nos rochedos batidos
E invade a praia, ruidosamente.

É certo que enfrentam suas investidas,
Do seu bater forte parecem troçar,
Esmagam com força as vagas erguidas
E em espuma fazem as ondas rasgar.

Mas ele bate e bate com força
Em dias, semanas, em meses e anos,
Até que apareça mossa sobre mossa
Que mostre seus gastos, pacientes ganhos.

E os anos passam, as gerações vão,
E menores se quedam as rochas cavadas;
Mas ele, com lenta e firme precisão,
Baterá na terra suas altas vagas.

Certo como o sol e despercebido
Como duma árvore é o seu crescer,
Trabalha, trabalha sem ser iludido
P’la tenaz imagem que se pode ver.

E quando o seu fim de todo obtém,
Em sonoro embate,

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Escrevias pela Noite Fora

Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava
o que ia ficando nas pausas entre cada
sorriso. Por ti mudei a razão das coisas,
faz de conta que não sei as coisas que não queres
que saiba, acabei por te pensar com crianças
à volta. Agora há prédios onde havia
laranjeiras e romãs no chão e as palavras
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua
que foi comum, o quarto estreito. Um livro
é suficiente neste passeio. Quando não escreves
estás a ler e ao lado das árvores o silêncio
é maior. Decerto te digo o que penso
baixando a cabeça e tu respondes sempre
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria
prender-te, tornar a perder-te, achar-te
assim por acaso no meu dia livre a meio
da semana. Mantêm-se as causas iguais
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina
dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono
custa. Porque estou contigo e me deixas
a tua imagem passa pelas noites sem sono,
está aqui a cadeira em que te sentaste
a escrever lendo.

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