Poemas sobre Lembranças

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Poemas de lembranças escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Debaixo Minha Vontade

(Sextina)

Ontem pôs-se o sol, e a noute
cobriu de sombra esta terra.
Agora é já outro dia,
tudo torna, torna o sol;
só foi a minha vontade
para não tornar co tempo!

Todalas cousas, per tempo,
passam como dia e noute.
Uma só, minha vontade,
não, que a dor comigo a aterra;
nela cuido enquanto há sol,
nela em quanto não há dia.

Mal quero per um só dia
a todo o outro dia e tempo,
que a mim pôs-se-me o sol
onde eu só temia a noute;
tenho a mim sobre a terra,
debaixo minha vontade.

Dentro da minha vontade
não há momento do dia
que não seja tudo terra;
ora ponho a culpa ao tempo,
ora a torno a pôr à noute.
No melhor pôs-se-me o sol!

Primeiro não haverá sol
que eu descanse na vontade.
Pôs-se-me uma escura noute
sobre a lembrança de um dia,
inda mal, porque houve tempo
e porque tudo foi terra.

Haver de ser tudo terra
quanto há debaixo do sol,

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O Casulo

No casulo:
uma mesa quatro cinco estantes
livros por centenas ou milhares
tijolos de papel onde as traças
acasalam e o caruncho espreita
sólidas muralhas de elvezires onde
a rua não penetra
uma máquina de escrever olivetti
com a tinta acumulada nas letras mais redondas
cachimbos barros estanhos medalhas fotos
bonecos marafonas lembranças
retratos alguns gente ida ou vinda
gorros usbeques gorros bailundos leques
japoneses arpões açorianos sinos de não sei donde
ou sei esperem sinos da tróica em natais nocturnos
marfins africanos óleos desenhos calendários
feitiços da Baía a mão a fazer figas
tudo do melhor contra raios coriscos mau olhado
retratos dizia Jorge o de Salvador Júlio o da Morgadinha
Berglin o cientista Kostas o dramaturgo
e outros e outros
Afonso Duarte o das ossadas pórtico
destas lamúrias o sorriso sibilino e rugoso
que matou no Nemésio o bicho harmonioso
mais de agora o Umberto Eco barbudo
a filtrar-me com medievismo os gestos tontos
e outros e outros
suecos brasileiros romenos gregos
e ainda aqueles em que a Zita foi escrevendo
a minha sina de andarilho
Tolstoi patrono obcecante um pastor a tocar
pífaro algures nos Balcãs sinais da Bulgária da Polónia
da Finlândia sinais de tantas partes onde
fui um outro de biografia aberrante
sinais da minha terra também
a minha de verdade e não as outras
a que chamam minhas por distraído palpite
o Lima de Freitas num candeeiro alumiando
a mulher verde-azul em casas assombrada
mestre Marques d’Oliveira num esquisso
de alto coturno a carta de Abel Salazar
que o sol foi comendo não se lendo já
o que a censura omitiu
aqui a China também representada
um ícone de Sófia as plácidas cabras
do Calasans o tinteiro de quando
se usavam plumas roubaram-se o missal do Cicogna
um almofariz para esferográficas furta-cores
a caixa de madeira floreada veio da Rússia
deu-ma a Tatiana sob promessa (cumprida)
de a pôr bem em frente das minhas divagações
anémonas nórdicas da Anne
miosótis búlgaros da Rumiana
o poster é alemão Friede den Kindern
nunca pedi a ninguém a decifração
dois horóscopos face a face
cangaceiros nordestinos
o menino ajoelhado do Tó Zé
num gesso já sem braços nem rosto
objectos objectos o pote tem as armas de não lembro
[quem
embora o nome que venha por de cima
seja o meu e eu também no óleo carrancudo
do Zé Lima há um ror de anos
melhor não saber quantos
o molde para o bronze é um perfil onde
desenganadamente me reconheço
tanta bugiganga tanto bazar tanto papel
branco ou impresso uma faca para
apunhalar alguém a cassete de poesias na voz
da Maria Vitorino as esculturas astecas
do Miguel medalhas medalhas outra vez lembranças
agendas sem préstimo canetas gastas mais papéis
letras miúdas ou letras farfalhudas
depende da ocasião
um livro de filigrana
as paredes mal se vêem estantes copiosas já disse
quadros em demasia e ainda
as rendas de minha mãe em molduras destoadas
ela no retrato de cenho descontente
fitando-me até ao miolo dos desvairos
o bordão de régulo justiceiro
obliquando no trono de cactos
amuletos africanos o mata-borrão que foi
de um pide deu-mo o fuzileiro no pós-Abril
uma bela cabeça de mulher do João Fragoso
jarras de sacristia candeias de cobre
sem pavio um samovar de madeira um samurai de
[veludo
os painéis de São Vicente em miniatura
a áurea trombeta do troféu lusíada
de parceria com o Manuel Cargaleiro
áureos pesados troféus o marasmo branco
de Pavia na tela sem idade
livros livros os correios não páram
de mos trazer para maior sufocação
cartas a granel por responder relógio não há mas ouço-o
sem falhar um segundo há cordas cordões medalhas
[medalhões
armas lauréis proibições
perfumes em minaretes levantinos.

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Nome Para Uma Casa

Ossos enxutos de repente as mãos
sobre o repousado peito entrelaçadas
como quem adormeceu
à sombra de uma quieta
e morosa árvore de copa alargada.
Dos olhos direi que abertos
para dentro me parecem
não os verei mais de agitação ansiosa
e húmido afago brandos no seu ferver
de amor avarento agora tão acalmados também
tão de longe observando incrédulos e astuciosos
a escura gente de roda com ladainhas de
abjuradas mágoas.

Julgo ouvir a chuva no tépido pinhal
mas pode ser engano
ainda há pouco o vento limpara o céu anoitecido
por entre o sussuro do lamuriado tédio
alguém se aproxima em bicos dos pés
por entre hortências ou dálias
de ambas minha mãe gostava

as ratazanas heréticas perseguem-se no sótão
como no tempo de não sei quando
os estalidos de madeira seca
no tecto antigo que os bichos mastigam aplicadamente
enquanto as velas agónicas se revezam
uma a uma dançando no sereno rosto que dorme
sem precisar de dormir tão perto o rosto e tão ausente
tão da vida agreste aliviado
as pessoas vão repartindo ais estórias lembranças
vão repartindo haveres e contos largos
enquanto no barco do tempo o morto se afasta
solene e majestático mesmo que o medo
o persiga até ao limite das águas.

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Cerimónia Funesta

O corpo não responde
às vozes de comando,
como um cão estropiado
já desdenha os apelos
os antigos convites
às funestas moradas,
esqueceu-se do ponto
vai olvidando senhas
os códigos das grutas
acumulando lixos
as servidões austeras
diluem-se num canto
o corpo não atende chamadas
não estremece ao ruído da chave
não suporta
qualquer intromissão
secou num aterro,
os restos à vista
a memória escava
da lembrança os rastos
avidamente suga
de tal fausto os ossos,
de tão vitais cerimónias
nos tão secretos barcos
mesmo o pouco que resta
ainda se mastiga.

Vaga, no Azul Amplo Solta

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou chorando.

O que choro é diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Está para além da saudade.

Não sei o que é nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

Cântico ao Amor

Somos na obra do Mundo
um corpo em carne e desejo
que alimenta de alquimia
o tumulto do vento
que o tempo do teu corpo espalha
ao passar.

És mar,
és rainha
és o sol da tarde confidente
és acácia perfumada
companheira coroada
voz de inquietação
és insónia de seda
nas paredes do meu corpo.
Sulcas a lembrança
batalhas a meu lado
vives comigo às escondidas
mesmo no dia
do meu suicídio.

Recordas-me a tarde
nos Champs Elysées
mas também em Roma, Veneza ou Madrid
minha companheira coroada
minha acácia perfumada
trazes a tarde incendiada trazes
a tarde no teu olhar
lembras a praia
onde nas ondas mergulhámos,
vem contigo a madrugada
beijada de carícias,
meus olhos não se cansam
são fruto do teu reino
oh sempre bela
oh sempre rainha,
tua palavra determinante
tuas mãos determinadas
tua alma vibrante
tua boca de eternidade
minha acácia perfumada
minha coluna rainha
falas comigo baixinho
dás-me tua vontade em surdina.

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Para Ser Lido Mais Tarde

Um dia
quando já não vieres dizer-me Vem
jantar

quando já não tiveres dificuldade
em chegar ao puxador
da porta quando

já não vieres dizer-me Pai
vem ver os meus deveres

quando esta luz que trazes nos cabelos
já não escorrer nos papéis em que trabalho

para ti será o começo de tudo

Uma outra vida haverá talvez para os teus sonhos
um outro mundo acolherá talvez enfim a tua oferenda

Hás-de ter alguma impaciência enquanto falo
Ouvirás com encanto alguém que não conheço
nem talvez ainda exista neste instante

Mas para mim será já tão frio e já tão tarde

E nem mesmo uma lembrança amarga
ou doce ficará
desta hora redonda
em que ninguém repara

Despedida

Uma harpa envelhece.
Nada se ouve ao longo dos canais e os remadores
sonham junto às estátuas de treva.
A tua sombra está atrás da minha sombra e dança.
Tocas-me de tão longe, sobre a falésia, e não sei se
foi amor.
Certo rumor de cálices, uma súplica ao dealbar das
ruínas,
tudo se perdeu no solitário campo dos céus.
Uma estrela caía.
Esse fogo consumido queima ainda a lembrança do
sul, a sua extrema dor anoitecida.
Não vens jamais.
O teu rosto é a relva mutilada dos passos em que me
entristeço, a absoluta condenação.
Chove quando penso que um dia as tuas rosas floriam
no centro desta cidade.
Não quis, à volta dos lábios, a profanação do jasmim,
as tuas folhas de outubro.
Ocultarei, na agonia das casas, uma pena que esvoaça,
a nudez de quem sangra à vista das catedrais.
O meu peito abriga as tuas sementes, e morre.
Esta música é quase o vento.

Segunda Nota Explicativa

Se uma palavra toca noutra ou mesmo sem tocar
lhe queda próxima, põem-se as duas
a dedilhar lembranças na ária
da carne azada.

Passa-se isto
na poesia dos poetas e na linguagem
da rua. Os ganhos
são mútuos e ficam mal lembrados

ou julgados inconvenientes se
pouco prosados ultrapassam
a discreta função de fundo
musical na paisagem ambiente.

Ganham em sentidos o que perdem
em concisão. Para que servem os muros
que nos cercam senão para dar ganas
de os saldar?

Só de Restos se Consagra o Tempo

Só de restos se consagra o tempo, força
cerrada na inutilidade destas
cores campestres, quando o sol em Novembro
escurece os sobreiros. Só de restos me
espera a cerimónia de viver,
trânsito e transigência do silêncio,
ocultado no meu corpo. Só de restos
o trespassa o tempo, máscara e manto. Morro
muito antes da morte, sem saber se os anjos
foram gaivotas hirtas no piedoso
musgos dos rios ou se hão-de ser maçãs
ou ciência, loendros ou lembrança,
inocentes, lúcidos sonos ou oblata
de seda, a deus cedida, em pagamento
da paz. Só do que chega ao fim, se corrompe
e apodrece, se imagina o princípio,
a majestade das coisas, o silêncio
irrevelado que o corpo desconhece.

Porque é Tão Ansiosamente que Espero por Ti?

Porque é tão ansiosamente que espero por ti?
Sabias ocultar entre os teus menores movimentos
a lembrança de um corpo e de um ardor sem música
nem esquecimento possível. Quantas cidades
atravessámos, quantos «grandes são os desertos e tudo é deserto»,
quanto alimento para os cães da memória! Deixa-os,
consente o esquecimento, solta com raiva das tuas veias
a música, regressa ao lugar donde partiste. Peço-te,
regressa. Nós nunca acordamos conformes,
nenhuma cifra nos devolverá o número mágico,
vestimo-nos sem convicção e pedimos emprestadas
fórmulas antigas. Da nossa idade
guardámos alguns emblemas, alguns maneirismos.
Acredita-me: é o momento de nos abandonarmos
à necessidade, de açularmos os cães, de sermos nós mesmos
um inquietante rosnido entre as frestas do muro.
Regressemos, não há Ítaca possível, os corpos desfizemo-los
na mesma erosão do seu mágico movimento.
Porque é tão ansiosamente que espero por ti
se nenhuma luz mais cabe no terror de mim?

Elegia em Chamas

Arde no lar o fogo antigo
do amor irreparável
e de súbito surge-me o teu rosto
entre chamas e pranto, vulnerável:

Como se os sonhos outra vez morressem
no lume da lembrança
e fosse dos teus olhos sem esperança
que as minhas lágrimas corressem.

De Que São Feitos os Dias?

De que são feitos os dias?
– De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
– do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças…

Gazel da Lembrança de Amor

Tua lembrança não leves.
Deixa-a sozinha em meu peito,

tremor de alva cerejeira
no martírio de janeiro.

Dos que morreram separa-me
um muro de sonhos maus.

Dou pena de lírio fresco
para um coração de gesso.

A noite inteira, no horto,
meus olhos, como dois cães.

A noite inteira, correndo
os marmelos de veneno.

Algumas vezes o vento
uma tulipa é de medo,

é uma tulipa enferma
a madrugada de inverno.

Um muro de sonhos maus
me afasta dos que morreram.

A névoa cobre em silêncio
o vale gris de teu corpo.

Pelo arco do encontro
a cicuta está crescendo.

Mas deixa tua lembrança,
deixa-a sozinha em meu peito.

Tradução de Oscar Mendes

A Noite

Mas a noite ventosa, a noite límpida
que a lembrança somente aflorava, está longe,
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto,
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo
mais distante que as recordações apenas resta
um vago recordar.

As vezes volta à luz do dia,
na imóvel luz dos dias de Verão,
aquele espanto remoto.

Pela janela vazia
o menino olhava a noite nas colinas
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas:
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas
onde todas as coisas do dia, as ladeiras
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas
e a vida era outra, de vento, de céu,
e de folhas e de coisa nenhuma.

Às vezes regressa
na imóvel calma do dia a recordação
daquele viver absorto, na luz assombrada.

Tradução de Carlos Leite

A Avidez da Morte

Quem nos contará
o que o morto sabia
mas não disse?
Quem há-de escrever as cartas
que o morto não escreveu?
Qual de nós poderá lembrar-se
de quem só o morto ainda tinha lembrança?
Quem amará a mulher que apenas o morto amava?

Quem há-de medir o vazio,
a herança de silêncio
que a Morte nos deixou?

Amor e Eternidade

Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquella que lhe fica unida:
Aqui d’um terno amor, aqui repousa
O despojo mortal, sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Poderam ambos descançar tranquillos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
Não pôde a fria tumba desunil-os.
Oh! quão saudosa a viração murmura
No cypreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descahir lá no occidente,
Quão bello lhes fulgura
Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia
De nossas vidas murcharão flores…
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu bello rosto no meu seio inclinas,
Pallido como o lírio que ao sol posto
Desmaia nas campinas?
Oh? vem, não perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anceia…
Vem, gosemos da vida em quanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas não receies o funesto corte…
Doce amiga, descança:
Quem ama como nós, sorri à morte.

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Como Está Sereno o Céu

Como está sereno o céu,
como sobe mansamente
a Lua resplandecente
e esclarece este jardim!

Os ventos adormeceram;
das frescas águas do rio
interrompe o murmúrio
de longe o som de um clarim.

Acordam minhas ideias,
que abrangem a Natureza;
e esta nocturna beleza
vem meu estro incendiar.

Mas, se à lira lanço a mão,
apagadas esperanças
me apontam cruéis lembranças,
e choro em vez de cantar.

O que Poderá Ver quem já da Vista Cegou?

Ante Sintra, a mui prezada,
e serra de Ribatejo
que Arrábeda é chamada,
perto donde o rio Tejo
se mete n’água salgada,
houve um pastor e pastora,
que com tanto amor se amaram
como males lhe causaram
este bem, que nunca fora,
pois foi o que não cuidarom.

A ela chamavam Maria
e ao pastor Crisfal,
ao qual, de dia em dia,
o bem se tornou em mal,
que ele tão mal merecia.
Sendo de pouca idade,
não se ver tanto sentiam
que o dia que não se viam,
se via na saudade
o que ambos se queriam.

Algumas horas falavam,
andando o gado pascendo;
e então se apascentavam
os olhos, que, em se vendo,
mais famintos lhe ficavam.
E com quanto era Maria
pequena e, tinha cuidado
de guardar melhor o gado
o que lhe Crisfal dizia;
mas, em fim, foi mal guardado;

Que, depois de assim viver
nesta vida e neste amor,
depois de alcançado ter
maior bem pera mor dor,
em fim se houve de saber
por Joana,

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No Leito Fundo

No leito fundo em que descansas,
em meio às larvas e aos livores,
longe do mundo e dos terrores
que te infundia o aço das lanças;

longe dos reis e dos senhores
que te esqueceram nas andanças,
longe das taças e das danças,
e dos feéricos rumores;

longe das cálidas crianças
que ateavam fogo aos corredores
e se expandiam, quais vapores,
entre as alfaias e as faianças

de tua herdade, cujas flores
eram fatídicas e mansas,
mas que se abriam, fluidas tranças,
quando as tangiam teus pastores;

longe do fel, do horror, das dores,
é que recolho essas lembranças
e as deito agora, já sem cores,
no leito fundo em que descansas.