Citação de

Doente

Que negro mal o meu! estou cada vez mais rouco!
Fogem de mim com asco as virgens d’olhar cálido…
E os velhos, quando passo, vendo-me tão pálido,
Comentam entre si: – coitado, está por pouco!…

Por isso tenho Ăłdio a quem tiver saĂşde,
Por isso tenho raiva a quem viver ditoso,
E, odiando toda a gente, eu amo o tuberculoso.
E sĂł estou contente ouvindo um alaĂşde.

Cada vez que me estudo encontro-me diferente,
Quando olham para mim é certo que estremeço;
E vai, pensando bem, sou, como toda a gente,
O contrário talvez daquilo que pareço…

EspĂ­rito irrequieto, fantasia ardente,
Adoro como Poe as doidas criações,
E se nĂŁo bebo absinto Ă© porque estou doente,
Que eu tenho como ele horror às multidões.

E amando doudamente as formas incompletas
Que Ă s vezes nĂŁo consigo, enfim, realizar,
Eu sinto-me banal ao pé dos mais poetas,
E, achando-me incapaz, deixo de trabalhar…

São filhos do meu tédio e duma dor qualquer
Meus sonhos de neurose horrivelmente histéricos
Como as larvas ruins dos corpos cadavéricos,
Ou como a aspiração de Charles Baudelaire.

Apraz-me o simbolismo ingĂ©nito das coisas…
E aos lábios da Mulher, a desfazer-se em beijos,
Prefiro os lábios maus das negregadas loisas,
Abrindo num ancelar de mĂłrbidos desejos.

E Ă© vĂŁo que medito e Ă© em vĂŁo que sonho:
Meu coração morreu, minha alma Ă© quase morta…
Já sinto emurchecer no crânio a flor do Sonho,
E oiço a Morte bater, sinistra, Ă  minha porta…

Estou farto de sofrer, o sofrimento cansa,
E, por maior desgraça e por maior tormento,
Chego a julgar que tenho – estĂşpida lembrança –
Uma alma de poeta e um pouco de talento!

A doença que me mata é moral e física!
De que me serve a mim agora ter esperanças,
Se eu não posso beijar as trémulas crianças,
Porque ao meu lábio aflui o tóxico da tísica?

E morro assim tão novo! Ainda não há um mês,
Perguntei ao Doutor: – EntĂŁo?…- Hei-de curá-lo…
Porém já não me importo, é bom morrer, deixá-lo!
Que morrer – Ă© dormir… dormir… sonhar talvez…

Por isso irei sonhar debaixo dum cipreste
Alheio Ă  sedução dos ideais perversos…
O poeta nunca morre embora seja agreste
A sua aspiração e tristes os seus versos!