Dormindo
De qual de vĂłs desceu para o exĂlio do mundo
A alma desta mulher, astros do céu profundo?
Dorme talvez agora… AlvĂssimas, serenas,
Cruzam-se numa prece as suas mĂŁos pequenas.
Para a respiração suavĂssima lhe ouvir,
A noite se debruça… E, a oscilar e a fulgir,
Brande o gládio de luz, que a escuridão recorta,
Um arcanjo, de pé, guardando a sua porta.
Versos! podeis voar em torno desse leito,
E pairar sobre o alvor virginal de seu peito,
Aves, tontas de luz, sobre um fresco pomar…
Dorme… Rimas febris, podeis febris voar…
Como ela, num livor de névoas misteriosas,
Dorme o céu, campo azul semeado de rosas;
E dois anjos do céu, alvos e pequeninos,
VĂŞm dormir nos dois cĂ©us dos seus olhos divinos…
Dorme… Estrelas, velai, inundando-a de luz!
Caravana, que Deus pelo espaço conduz!
Todo o vosso dano nesta pequena alcova
Sobre ela, como um nimbo esplĂŞndido, se mova:
E, a sorrir e a sonhar, sua leve cabeça
Como a da Virgem Mie repouse e resplandeça!
Passagens sobre Virgens
128 resultadosCantiga de Banheiro
A moça vai tomar banho,
banho domiciliar.
A moça não se dispersa
na piscina nem no mar.
A moça entra no banheiro
e torce a chave e o ferrolho
da porta. (Há na fechadura
um olho que chama outro olho.)
A moça vai tomar banho.
Deixa os chinelos no canto.
Perdeu os itinerários.
Solta os cabelos castanhos.
Fica nua. Dela saltam
peitos agressivos de
bicos rubros, insinuantes,
de leite e amor para as bocas
dos babies e dos amantes.
A moça morena espia
dentro do espelho da pia
a exclusivamente sua
liberta beleza nua.Comprime-se o espelho quando
a moça se distancia.
Na solidĂŁo do banheiro,
vĂŞ-se emparedada viva
nas paredes de azulejo
e nua fica debaixo
do chuveiro de onde a água
humaniza-se e, acrobata,
dá um pulo da cascata
doméstica com a intenção
de levar a moça longe,
de fazer um filho plástico
no ventre virgem lambido
de esponja e de sabonete.Quando a branca toalha asséptica
abriu-se na fĂşria ambiente,
Pilotagem
E os meus olhos rasgarĂŁo a noite;
E a chuva que vier ferir-me nas vidraças
Compreenderá, então, a sua inutilidade;E todos os sinos que alimentavam insónias
hĂŁo-de repetir as horas mortas
sĂł para os ouvidos da torre;E os outros ruĂdos abafar-se-ĂŁo no manto negro da noite;
E a mĂŁo alva que me apontava os nortes
e ficou debruçada no postigo
amortalhada pela neve
reviverá de novo;E os meus braços se erguerão transfigurados
para o abraço virgem dos teus braços
que andava perdido, sem dar fé deste seu reino;E todas as luzes que tresnoitaram os homens
apagar-se-ão;E o silêncio virá cheio de promessas
que nĂŁo se cansaram na viagem;E todos os povos de Babel
com as riquezas que há no mundo
virĂŁo festejar a paz em minha honra;E os caminhos se abrirĂŁo
para os homens que seguirem de mĂŁos dadas:O sangue derramado de Cristo
terá finalmente significação,
e da inĂştil cruz do martĂrio
se erguerá o pendão da vitória;
Dilacerações
Ă“ carnes que eu amei sangrentamente,
Ă“ volĂşpias letais e dolorosas,
EssĂŞncias de heliĂłtropos e de rosas
De essĂŞncia morna, tropical, dolente…Carnes virgens e tĂ©pidas do Oriente
Do Sonho e das Estrelas fabulosas,
Carnes acerbas e maravilhosas,
Tentadoras do sol intensamente…Passai, dilaceradas pelos zeros,
Através dos profundos pesadelos
Que me apunhalam de mortais horrores…Passai, passai, desfeitas em tormentos,
Em lágrimas, em prantos, em lamentos,
Em ais, em luto, em convulsões, em cores…
A Mulher Virgem e o Amor
A mulher virgem, em geral, nĂŁo ama o homem com quem casa, embora frequentemente de tal se persuada: gosta dele, e esse gostar, que Ă© uma amizade, provocada em geral pelo amor do homem por ela, somando-se ao instinto sexual insatisfeito, ou seja Ă atracção sexual abstracta, forma um composto semi-emotivo que dá a ilusĂŁo do amor, (…) as suas emoções — aquela parte da sexualidade que nĂŁo Ă© sĂł sexual — ficam insatisfeitas. Nuns casos o instinto maternal, exercendo-se no aparecimento dos filhos, ou satisfaz essas emoções ou as esbate e acalma; noutros casos, a vida imaginativa consegue, em maior ou menor grau, satisfazĂŞ-las. Há casos, porĂ©m, em que ficam insatisfeitas e entĂŁo sĂł o fundo moral seguro e a […] moral forte, ou o senso […] e medroso da respeitabilidade social, podem — quando podem, e isso depende muito do temperamento que está por trás d’essas emoções — resistir ao aparecimento, quando e se ele se der, do homem em quem essas emoções se possam concentrar. Em todo o caso, e para bem moral dos resultados, o melhor Ă© o homem nĂŁo aparecer.
SĂł o maior dos sensos morais e da honestidade do dever pode evitar um desastre.
Viver consiste em ver tudo de novo: viver consiste em fazer tudo de novo. Como se tudo, mesmo o que já se foi novo, seja de novo novo. Viver consiste em ser, todos os dias, virgem de felicidade: criança de exaltação.
A Mata Virgem, Desgrenhada Aos Ventos
A mata virgem, desgrenhada aos ventos,
Eleva à noite a alma complexa e vária;
Do musgo humilde às grimpas da araucária
Há, talvez, gritos, há talvez, lamentos.Olhos presos na sombra, a passos lentos
Passeando na varanda solitária,
Apraz-me àquela orquestra tumultuária
A sĂłs ouvir os rudes sons violentos.Ă“ noite, como que raivando, levas
Com o teu meu coração por essas trevas!
O teu – cĂłlera, o meu – doce reclamo;Ambos, ao fogo atroz que tĂŞm no seio,
O teu bramindo: – O Ăłdio eu sou, e odeio!
O meu chorando: – Eu sou o Amor, eu amo!
No Céo, se Existe um Céo para quem Chora
No céo, se existe um céo para quem chora.
CĂ©o, para as magoas de quem soffre tanto…
Se é lá do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que nĂŁo devora…No cĂ©o, se uma alma n’esse espaço mora.
Que a prece escuta e encharga o nosso pranto…
Se ha Pae, que estenda sobre nĂłs o manto
Do amor piedoso… que eu nĂŁo sinto agora…No cĂ©o, Ăł virgem! findarĂŁo meus males:
Hei-de lá renascer, eu que pareço
Aqui ter sĂł nascido para dĂ´res.Ali, Ăł lyrio dos celestes vales!
Tendo seu fim, terão o seu começo.
Para nĂŁo mais findar, nossos amores.
Nunca os Homens TerĂŁo meu Amor e meu Peito
Nunca os Homens terĂŁo meu amor e meu peito:
Nas horas de aflição, contigo hei-de vir ter:
Ser-me-á norte na Vida a ambição do Perfeito,
Nenhuma face humana enervará meu ser!Tu me fizeste erguer a Alma num largo voo
Para algum prodigioso, inĂ©dito paĂs:
E ao fechar o meu canto, Ideal, eu te abençoo,
Pois teu celeste, casto Amor me fez feliz!Abençoado seja este divino Amor,
Este Amor virgem, este Amor alucinado:Como, nĂŁo sendo humana, eu te acho superior!
Quanto agradeço a Deus por te não ter criado!
LĂngua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-se assim, desconhecida e obscura
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, Ăł rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exĂlio amargo,
O gĂŞnio sem ventura e o amor sem brilho!
Hora Vermelha
Por que vieste, pensamento?
Já me bastava o Mar violento,
Já me bastava o Sol que ardia…
P’los meus sentidos escorria
não sei lá bem que seiva forte
que a carne toda me deixava
qual uma flor ou uma lava
num riso aberto contra a Morte.Já me bastava tudo isto.
Mas tu vieste, pensamento,
e vieste duro, turbulento.
Vieste com formas e com sangue:
erectos seios de mulher,
as carnes rĂłseas como frutos.Boca rasgada num pedido
a que se quer e se nĂŁo quer
dizer que nĂŁo.
Os braços longos estendidos.
A mĂŁo em concha sobre o sexo
que nem a VĂ©nus de Camões.AĂ!, pensamento,
deixa-me a calma da Poesia!
Aqui na praia sĂł com ela,
virgem castĂssima, sincera!…
Sua mĂŁo branca saberia
chamar cordeiro ao Mar violento,
PĂ´r meigo, meigo, o Sol que ardia.
Mas tu vieste, pensamento.
Tua nudez, que me obsidia,
logo, subtil, encheu de alento
velhos desejos recalcados,
beijos mordidos
antes de os ver a luz do Dia.
LĂşcia
(Alfred de Musset)
Nós estávamos sós; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂŞnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂşrio; parecia a nota
De aura longĂnqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂşpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂamos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bálsamos;
A várzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sós estávamos
E tĂnhamos quinze anos!LĂşcia era loura e pálida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!Nem um som despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂbia sombra dormia-lhe na fronte,
NĂŁo te Arrependas
NĂŁo te arrependas, Amada, porque a mim tĂŁo depressa
te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam
o sangue.
Nos tempos herĂłicos, quando Deuses e Deusas amavam,
Ao olhar seguia o desejo, ao desejo o prazer.
CrĂŞs tu que a Deusa do Amor pensou muito tempo
Quando no bosque de Ida um dia Anquises lhe
agradou?
Se Luna tardasse a beijar o belo dormente,
Auiora, invejosa, em breve o teria acordado.
Hero descobriu Leandro no festim ruidoso, e ligeiro,
Ardente saltou o amante pra a corrente nocturna.
Rhea SĂlvia, a virgem princesa, vai descuidosa
Buscar água ao Tibre, e o Deus dela se apossa.
Assim Marte gerou os seus filhos! — Uma loba
amamenta
Os Gémeos, e Roma nomeia-se princesa do mundo.Tradução de Paulo Quintela
MagnĂłlia Dos TrĂłpicos
A AraĂşjo Figueredo
Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ă“ magnĂłlia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenĂşfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso atravĂ©s a lĂmpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.
IV
Como a floresta secular, sombria,
Virgem do passo humano e do machado,
Onde apenas, horrendo, ecoa o brado
Do tigre, e cuja agreste ramariaNĂŁo atravessa nunca a luz do dia,
Assim também, da luz do amor privado,
Tinhas o coração ermo e fechado,
Como a floresta secular, sombria…Hoje, entre os ramos, a canção sonora
Soltam festivamente os passarinhos.
Tinge o cimo das árvores a aurora…Palpitam flores, estremecem ninhos, . .
E o sol do amor, que nĂŁo entrava outrora,
Entra dourando a areia dos caminhos.
Ă“ Virgens!
Ă“ virgens que passaes, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar…Cantae-me, n’essa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formozura, o luar!Cantae! cantae as limpidas cantigas!
Das ruinas do meu lar desatterrae
Todas aquellas illuzões antigasQue eu vi morrer n’um sonho, como um ai…
Ă“ suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n’essa voz… Cantae!
O Primeiro Filho
A virgem de ontem é já hoje mãe:
O leito azul e branco do noivado
Ei-lo, em bem pouco tempo, transformado
Num berço onde existe mais alguém.Na rósea alcova atapetada, além,
Uma velhota, ex-noiva do passado,
Beijando o pequenito com cuidado,
Diz: — Bom tempo em que eu fui assim, também.No entanto a boa mãe cheia de Graça,
Estende-se no leito, exausta e lassa,
Cercada duma auréola de luz.E beijando o filhito que adormece,
Olhada assim, de sĂşbito, parece
A Virgem MĂŁe a acalentar Jesus…
O Sono
É um braço magro de mulher, uns olhos espectrais
e brilhantes, uma cabeça de esfinge, uma lâmpada
que fumega. Talvez por os nĂŁo vermos, vejamos rios
que flamejam, jardins sepultos, um antepassadodesconhecido e cinzento que se derrama no quarto,
um portão esvoaçante, uma pequena fenda por onde
se vai até às nuvens nocturnas. Tudo o que
lá possa estar é tudo: a vassoura esquecida,o rosto primordial da mãe, uma torre de cadáveres
ou um modesto banco de madeira onde deixaram
um vaso verĂdico de gerânios. Talvez um deusvĂtreo, rĂştilo ou, pintada de azul, uma virgem ocre
no cume de colina grega. Uma estranha mĂşsica soa
nas paredes, antes do exĂlio para onde nos leva o sono.
Triste Regresso
Uma vez um poeta, um tresloucado,
Apaixonou-se d’uma virgem bela;
Vivia alegre o vate apaixonado,
Louco vivia, enamorado dela.Mas a Pátria chamou-o. Era o soldado,
E tinha que deixar p’ra sempre aquela
Meiga visĂŁo, olĂmpica e singela!
E partiu, coração amargurado.Dos canhões ao ribombo e das metralhas,
Altivo lutador, venceu batalhas,
Juncou-lhe a fronte aurifulgente estrela,E voltou, mas a fronte aureolada,
Ao chegar, pendeu triste e desmaiada,
No sepulcro da loura virgem bela.
Vem Despontando A Aurora, A Noite Morre
Vem despontando a aurora, a noite morre,
Desperta a mata virgem seus cantores,
Medroso o vento no arraial das flores
Mil beijos furta e suspirando corre.Estende a névoa o manto e o val percorre,
Cruzam-se as borboletas de mil cores,
E as mansas rolas choram seus amores
Nas verdes balsas onde o orvalho escorre.E pouco a pouco se esvaece a bruma,
Tudo se alegra à luz do céu risonho
E ao flĂłreo bafo que o sertĂŁo perfuma.PorĂ©m minh’alma triste e sem um sonho
Murmura olhando o prado, o rio, a espuma:
Como isto Ă© pobre, insĂpido, enfadonho!