Poemas sobre Acidente

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Poemas de acidente escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Como se Morre de Velhice

Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

Olinda

(Do alto do mosteiro, um frade a vê)

De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
a linha do horizonte.

As paisagens muito claras
não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
ou claridade somente.

Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tem verdágua e não se sabe,
a não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
só se reúnem na ausência.

Limpeza tal só imagino
que possa haver nas vivendas
das aves, nas áreas altas,
muito além do além das lendas.

Os acidentes, na luz,
não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
nem há mar, nem céu, nem velas.

Quando a luz é muito intensa
é quando mais frágil é:
planície, que de tão plana
parecesse em pé:

Revolução Orbital

Revolução orbital: vai-se a rosa transformando
na coisa múltipla, amante e amada, na acção
que assim a faz e nos acidentes mínimos – paisagens,
estações dos dias e das noites, dos anos da história.
Ondula no cérebro a fronteira que as margens da luz
desenham. E a rosa é uma hélice que vibra
no ar que a respirar obriga(s): torção dos pulmões,
do tronco e do sexo, dos nomes e dos vocativos
que se respondem: como um coração que deflagra
a rosa faz do ar que te falta a terra de onde nasces
e o chão sobre que danças.

O Riso

Por substituição das emoções a poesia
recorda uma arte escura: vagares, caligrafia
da estação que ondula, oscilação de um cálamo
a meio do branco. A natureza encurva-se,
o coração assenta de modo a ver o mundo.
Eis um dia inteiro, o trabalhar dos olhos,
a falta de sentido de iluminar a luz.
A sombra é sem esforço, a respiração respira,
encontra-se uma face, transforma-se num som,
pequenos acidentes dilatam-se no céu.
Palavras que se apagam. Pensamentos fáceis.
Se isto é poesia eu rio-me no fim:
é como estar sentado, não ter arte nenhuma.

Bicarbonato de Soda

Súbita, uma angústia…
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço…
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir…
E–xis–tir …

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

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