Poemas sobre Alvorada

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Poemas de alvorada escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Amei-te sem Saberes

No avesso das palavras
na contrária face
da minha solidĂŁo
eu te amei
e acariciei
o teu imperceptĂ­vel crescer
como carne da lua
nos nocturnos lábios entreabertos

E amei-te sem saberes
amei-te sem o saber
amando de te procurar
amando de te inventar

No contorno do fogo
desenhei o teu rosto
e para te reconhecer
mudei de corpo
troquei de noites
juntei crepĂşsculo e alvorada

Para me acostumar
Ă  tua intermitente ausĂŞncia
ensinei Ă s timbilas
a espera do silĂŞncio

Calçada de Carriche

LuĂ­sa sobe,
sobe a calçada,
sobe e nĂŁo pode
que vai cansada.
Sobe, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mĂŁo grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

LuĂ­sa Ă© nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, LuĂ­sa.
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, LuĂ­sa,
LuĂ­sa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
nĂŁo disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito Ă  casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se Ă  pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;

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Cantigas

Quando vejo a minha amada
Parece que o Sol nasceu;
Cantai, cantai alvorada
Ó avezinhas do céu.

Nessas águas do Mondego
Se pode a gente mirar,
Elas procuram sossego…
E vĂŁo caminho do mar.

A rosa que tu me deste
Peguei-lhe, mudou de cor;
Tornou-se de azul-celeste
Como o céu do nosso amor.

NĂŁo me fales da janela,
Que te não ouço da rua;
Fala-me de alguma estrela,
Que te vou ouvir da Lua.

Dizes que a letra nĂŁo deve
Ser nunca miudinha;
Mas grada ou miĂşda escreve,
Que o coração adivinha.

NĂŁo digas que me nĂŁo amas
A ver se tenho ciĂşme;
Os laços do amor são chamas,
E nĂŁo se brinca com lume.

A virgem dos meus amores
Sobressai entre as mais belas:
É como a rosa entre flores,
É como o Sol entre estrelas.

Eu zombo de sol e chuva,
Noite e dia, terra e mar;
Ais de uma pobre viĂşva,
Se os ouço, dá-me em chorar.

A sombra da nuvem passa
depressa pela seara;

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O Livro da Vida

Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarĂŁo da primeira alvorada.

Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.

Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espírito esclareça!

Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.

Mas o tempo caminha; os anos vĂŁo correndo;
Passam as gerações; tudo Ă© pĂł, tudo Ă© vĂŁo…
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.

Nesse eterno cismar, nada vĂŞ, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer,

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Barganha

Domingo Ă© dia de barganha.
Troco um relĂłgio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibĂŁo de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogĂŁo de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um só pássaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xĂ­cara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lágrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridĂŁo das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhĂŁo de pedra
por um portĂŁo de peroba.

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Natal… Natais…

Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
NĂŁo deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.

Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anĂşncio de alvorada;
E ein cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;

E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silĂŞncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essĂŞncia, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Hino Ă  Morte

Tenho Ă s vezes sentido o chocar dos teus ossos
E o vento da tua asa os meus lábios roçar;
Mas da tua presença o rasto de destroços
Nunca de susto fez meu coração parar.

Nunca, espanto ou receio, ao meu ânimo trouxe
Esse aspecto de horror com que tudo apavoras,
Nas tuas mãos erguendo a inexorável Fouce
E a ampulheta em que vais pulverizando as horas.

Sei que andas, como sombra, a seguir os meus
[passos,
TĂŁo prĂłxima de mim que te respiro o alento,
— Prestes como uma noiva a estreitar-me em teus
[braços,
E a arrastar-me contigo ao teu leito sangrento…

Que importa? Do teu seio a noite que amedronta,
Para mim nĂŁo Ă© mais que o refluxo da Vida,
Noite da noite, donde esplĂŞndida desponta
A aurora espiritual da Terra Prometida.

A Alma volta Ă  Luz; sai desse hiato de sombra,
Como o insecto da larva. A Morte que me aterra,
Essa que tanta vez o meu ânimo assombra,
Não és tu, com a paz do teu oásis te terra!

Quantas vezes,

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A Amiga Deixada

Antiga
cantiga
da amiga
deixada.

Musgo da piscina,
de uma água tão fina,
sobre a qual se inclina
a lua exilada.

Antiga
cantiga
da amiga
chamada.

Chegara tĂŁo perto!
Mas tinha, decerto,
seu rosto encoberto…
Cantava — mais nada.

Antiga
cantiga
da amiga
chegada.

PĂ©rola caĂ­da
na praia da vida:
primeiro, perdida
e depois — quebrada.

Antiga
cantiga
da amiga
calada.

Partiu como vinha,
leve, alta, sozinha,
— giro de andorinha
na mĂŁo da alvorada.

Antiga
cantiga
da amiga
deixada.

Natal

1

A voz clamava no Deserto.

E outra Voz mais suave,
Lírio a abrir, esvoaçar incerto,
TĂ­mido e alvente, de ave
Que larga o ninho, melodia
Nascente, docemente,
Uma outra Voz se erguia…

A voz clamava no Deserto…

Anunciando
A outra Voz que vinha:
Balbuciar de fonte pequenina,
Dando
Ă€ luz da Terra o seu primeiro beijo…
Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.

2

Das entranhas profundas
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia,
– Ă€ distância de SĂ©culos, – dizia,
Pressentia
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo
Os cárceres do mundo…

A voz dura e ardente
Clamava no Deserto…

Natal de Primavera,
A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante,
Mais humana e mais doce
E irmĂŁ dos Poetas
Que a voz trovejante
Dos profetas
Solitários.

3

A divina alvorada
Trazia
Lírios no regaço
E rosas.
Natal. Primeiro passo
Da secular Jornada,
Era um canto de Amor
A anunciar Calvários,

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IlusĂŁo

Vens todas as madrugadas
prender-te nos meus sonhos,
—estátua de Bizâncio
esculpida em neve!
e poisas a tua mâo
mavia e leve
nas minhas pálpebras magoadas…

Vens toda nua, recortada em graça
rebrilhante, iluminada!
Vejo-te cegar
como uma alvorada
de sol!…
E o meu corpo freme,
e a minha alma canta,
como um enamorado rouxinol!

Sobre a nudez moça do teu corpo,
dois cisnes erectos
quedam-se cismando em brancas estesias
e na seda roxa
do meu leito,
em rúbidos clarões,
nascem, maceradas,
as orquĂ­deas vermelhas
das minhas sensações!…

És linda assim; toda nua,
no minuto doce
em que me trazes
a clara oferta do teu corpo
e reclamas firmemente
a minha posse!…

Quero prender-me Ă  mentira loira
do teu grácil recorte…
E os teus beijos perfumados,
nenĂşfares desfolhados
pela rajada dominante e forte
das minhas crispações,
tombam sobre eu meus nervos
partidos… estilhaçados!

……………………….

Acordo. E os teus braços,
muito ao longe,
desfiam ainda
a cabeleira fulva
do sol
por sobre os oiros adormecidos
da minha alcova…

VisĂŁo bendita!

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Recordam-se VocĂŞs do Bom Tempo d’Outrora

(Dedicatória de introdução a «A Musa em Férias»)

Recordam-se vocĂŞs do bom tempo d’outrora,
Dum tempo que passou e que nĂŁo volta mais,
Quando Ă­amos a rir pela existĂŞncia fora
Alegres como em Junho os bandos dos pardais?
C’roava-nos a fronte um diadema d’aurora,
E o nosso coração vestido de esplendor
Era um divino Abril radiante, onde as abelhas
Vinham sugar o mel na balsâmina em flor.
Que doiradas canções nossas bocas vermelhas
NĂŁo lançaram entĂŁo perdidas pelo ar!…
Mil quimeras de glĂłria e mil sonhos dispersos,
Canções feitas sem versos,
E que nĂłs nunca mais havemos de cantar!
Nunca mais! nunca mais! Os sonhos e as esp’ranças
São áureos colibris das regiões da alvorada,
Que buscam para ninho os peitos das crianças.
E quando a neve cai já sobre a nossa estrada,
E quando o Inverno chega Ă  nossa alma,entĂŁo
Os pobres colibris, coitados, sentem frio,
E deixam-nos a nós o coração vazio,
Para fazer o ninho em outro coração.
Meus amigos, a vida Ă© um Sol que chega ao cĂşmulo
Quando cantam em nós essas canções celestes;

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Rosas Vermelhas

Que estranha fantasia!
Comprei rosas encarnadas
Ă s molhadas
dum vermelho estridente,
tĂŁo rubras como a febre que eu trazia…
– E vim deitá-las contente
na minha cama vazia!

Toda a noite me piquei
nos seus agudos espinhos!
E toda a noite as beijei
em desalinhos…

A janela toda aberta
meu quarto encheu de luar…
– Na roupa branca de linho,
as rosas,
sĂŁo corações a sangrar…

Morrem as rosas desfolhadas…
Matei-as!
Apertadas
Ă s mĂŁos-cheias!

Alvorada!
Alvorada!
Veio despertar-me!
Vem acordar-me!

Eu vou morrer…
E nĂŁo consigo desprender
dos meus desejos,
as rosas encarnadas,
que morrem esfarrapadas,
na fĂşria dos meus beijos!

O Teu Aniversário

Pediste-me sorrindo, Ăł minha flor gentil,
Uns versos Ă s tuas vinte alvoradas de Abril.
Vinte anos já!… nĂŁo creio, estás equivocada…
Enganas-te. Eu irei perguntar Ă  alvorada
Quantas vezes pousou em ĂŞxtase, ao de leve,
A sua boca de rosa em tua fronte de neve.
Vinte anos! Podes crer, pomba que eu idolatro,
Que se o corpo fez vinte, a alma, nĂŁo: fez quatro.
A tua alma nasceu inefável, divina,
Para ser sempre grande e sempre pequenina.
É como a estrela d’alva; enche o seu esplendor
O Mundo, e ela nĂŁo enche o cálix duma flor!…

A Minha Filha

(Vendo-a dormir)

Que alma intacta e delicada!
Que argila pura e mimosa!
É a estrela d’alvorada
Dentro dum botĂŁo de rosa!

E, enquanto dormes tranquila,
Vejo o divino esplendor
Da alma a sair da argila,
Da estrela a sair da flor!

Anjos, no azul inocente,
Sobre o teu hálito leve
Desdobram candidamente,
Em pálio, as asas de neve…

E eu, urze má das encostas,
Eu sinto o dever sagrado
De te beijar— de mãos postas!
De te abençoar — ajoelhado!

Hino da ManhĂŁ

Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!

Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmĂŁ do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,

O vacuo mudo, onde astro nĂŁo palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!

Porque a noite Ă© a imagem do NĂŁo-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…

Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…

E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…

Porque a noite Ă© a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,

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MĂşsica

Noite perdida,
nĂŁo te lamento:
embarco a vida

no pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,

puro e sem nada,
– rosa encarnada,
intacta, ao vento.

Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,

e ressuscitada…
(Asa da lua
quase parada,

mostra-me a sua
sombra escondida,
que continua

a minha vida
num chĂŁo profundo!
– raiz prendida

a um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,

muda alvorada
que o pensamento
deixa confiada

ao tempo lento…
Minha partida,
minha chegada,

Ă© tudo vento…

Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…