Poemas sobre Coração de Carlos Drummond de Andrade

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Poemas de coração de Carlos Drummond de Andrade. Leia este e outros poemas de Carlos Drummond de Andrade em Poetris.

O Tempo Passa? Não Passa

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.

Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notícia têm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissão.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mão de velhos
profissionais de solidão.

Pergunta às coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigília
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e não.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre símbolos
de símbolos outros, primeiros,
e tão acessíveis aos pobres
como a breve casca do pão.

Pergunta ao que, não sendo, resta
perfilado à porta do tempo,

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Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Necrológio dos Desiludidos do Amor

Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia…

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.