Poemas sobre Ruas de Carlos Drummond de Andrade

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Poemas de ruas de Carlos Drummond de Andrade. Leia este e outros poemas de Carlos Drummond de Andrade em Poetris.

Segredo

A poesia é incomunicável.
Fique torto no seu canto.
NĂŁo ame.

Ouço dizer que há tiroteio
ao alcance do nosso corpo.
É a revolução? o amor?
NĂŁo diga nada.

Tudo Ă© possĂ­vel, sĂł eu impossĂ­vel.
O mar transborda de peixes.
Há homens que andam no mar
como se andassem na rua.
NĂŁo conte.

Suponha que um anjo de fogo
varresse a face da terra
e os homens sacrificados
pedissem perdĂŁo.
Não peça.

Os Velhos

Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estĂŁo hoje
e nĂŁo deixarĂŁo nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do JuĂ­zo Final.
Os mais velhos tĂŞm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
nĂŁo menos de 50 — enorm’idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proĂ­be. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. NĂŁo sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarĂŁo
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e sĂł, atravessando
a floresta de velhos.

Inquérito

Pergunta às árvores da rua
que notĂ­cia tĂŞm desse dia
filtrado em betume da noite;
se por acaso pressentiram
nas aragens conversadeiras,
ágil correio do universo,
um calar mais informativo
que toda grave confissĂŁo.

Pergunta aos pássaros, cativos
do sol e do espaço, que viram
ou bicaram de mais estranho,
seja na pele das estradas
seja entre volumes suspensos
nas prateleiras do ar, ou mesmo
sobre a palma da mĂŁo de velhos
profissionais de solidĂŁo.

Pergunta Ă s coisas, impregnadas
de sono que precede a vida
e a consuma, sem que a vigĂ­lia
intermédia as liberte e faça
conhecedoras de si mesmas,
que prisma, que diamante fluido
concentra mil fogos humanos
onde era ruga e cinza e nĂŁo.

Pergunta aos hortos que segredo
de clepsidra, areia e carocha
se foi desenrolando, lento,
no calado rumo do infante
a divagar por entre sĂ­mbolos
de sĂ­mbolos outros, primeiros,
e tĂŁo acessĂ­veis aos pobres
como a breve casca do pĂŁo.

Pergunta ao que, nĂŁo sendo, resta
perfilado Ă  porta do tempo,

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Quero me Casar

Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.

Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.

Depressa, que o amor
nĂŁo pode esperar!