Poemas sobre Conversas

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Poemas de conversas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Psiquetipia

Símbolos. Tudo símbolos
Se calhar, tudo é símbolos…
Serás tu um símbolo também?

Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa.
Pessoas independentes de ti…
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é…
E por que não há de ser?

Símbolos…
Estou cansado de pensar…
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando…

Meu Deus! e não sabes…
Eu pensava nos símbolos…
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa…
“It was very strange, wasn’t it?”
“Awfully strange. And how did it end?”
“Well, it didn’t end. It never does, you know.”
Sim, you know… Eu sei…
Sim eu sei…
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural… Mas os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos… Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos… Os símbolos…

Na Noite Terrível

Na noite terrível, substância natural de todas as noites,
Na noite de insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado — esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.

Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido —
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso — e foi afinal o melhor de mim — é que nem os Deuses fazem viver …

Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;

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Poeminha sobre as Reacções Paradoxais numa Sociedade

Na conversa sofisticada
a debutante, nervosa,
tem um problema bem seu:
fingir que entende tudo
ou fingir que não entendeu

Diz-me a Verdade acerca do Amor

Há quem diga que o amor é um rapazinho,
E quem diga que ele é um pássaro;
Há quem diga que faz o mundo girar,
E quem diga que é um absurdo,
E quando perguntei ao meu vizinho,
Que tinha ar de quem sabia,
A sua mulher zangou-se mesmo muito,
E disse que isso não servia para nada.

Será parecido com uns pijamas,
Ou com o presunto num hotel de abstinência?
O seu odor faz lembrar o dos lamas,
Ou tem um cheiro agradável?
É áspero ao tacto como uma sebe espinhosa
Ou é fofo como um edredão de penas?
É cortante ou muito polido nos seus bordos?
Ah, diz-me a verdade acerca do amor.

Os nossos livros de história fazem-lhe referências
Em curtas notas crípticas,
É um assunto de conversa muito vulgar
Nos transatlânticos;
Descobri que o assunto era mencionado
Em relatos de suicidas,
E até o vi escrevinhado
Nas costas dos guias ferroviários.

Uiva como um cão de Alsácia esfomeado,
Ou ribomba como uma banda militar?
Poderá alguém fazer uma imitação perfeita
Com um serrote ou um Steinway de concerto?

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Do Fundo da Mesa

O jantar já tinha sido servido. No fundo da mesa,
os pratos amontoavam-se por entre restos ilesos
de comida. Era para ali que nos retirávamos, para
deixar de sentir por momentos, sobre os ombros,
o peso da literatura. A sua incomodidade. Não
seria possível dela extrair, agora, um novo uso?
Nessas alturas, a filosofia consolava-nos do ruído
das conversas, da própria ênfase a que recorríamos
para que, sobre a mesa, o poema ficasse escrito.
Porque o fazíamos? Tornar-se-ia o mundo
mais limpo depois de escrito? Como as mãos
que no rebordo da toalha, enxugávamos?
E no entanto era esse o melhor argumento
de que dispúnhamos: o das mulheres-escritoras
que, noutro século, fiéis ao desvelo dos armários,
reinventavam o mundo no aconchego das cozinhas.

Os Velhos

Todos nasceram velhos — desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre — sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e lá se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
não menos de 50 — enorm’idade.
Nenhum olha para mim.
A velhice o proíbe. Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infrigiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me vêem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados,
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milénios.
Sigo, seco e só, atravessando
a floresta de velhos.

fingir que está tudo bem

fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

Do meu vagar

Já não há mais o vagar
de quando se comia sentado
e devagar se caminhava
até chegar a qualquer lado
agora vai toda a gente
sempre de mão na buzina
sempre na linha da frente
a tremer de adrenalina

Do meu vagar não traço rotas
não tenho trilho que me prenda
não tiro dados nem notas
não encho uma linha de agenda
do meu vagar não chego a Meca
não faço nada num só dia
não corto a fita da meta
não vejo Roma nem Pavia

Do meu vagar
sei que nunca hei-de ir longe
vou aonde for preciso
vou indo do meu vagar
em busca do tempo perdido
e se um dia o encontrar
o longe não faz sentido

Do meu vagar há um nicho
um pico de ilha insubmersa
onde há lugar para o capricho
que dá pelo nome de conversa
do meu vagar a paisagem
ainda tem beleza em bruto
e vale mais uma palavra
que mil imagens por minuto

Do meu vagar
sei que nunca hei-de ir longe
vou aonde for preciso
vou indo do meu vagar
em busca do tempo perdido
e se um dia o encontrar
o longe não faz sentido

Fico Sozinho com o Universo Inteiro

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Calaram o piano no terceiro andar…
Não oiço já passos no segundo andar…
No rés-do-chão o rádio está em silêncio…

Vai tudo dormir…

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me…
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me…

Vai tudo dormir…

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa.

Esta Dor que me Faz Bem

As coisas falam comigo
uma linguagem secreta
que é minha, de mais ninguém.
Quem sente este cheiro antigo,
o cheiro da mala preta,
que era tua, minha mãe?

Este cheiro de além-vida
e de indizível tristeza,
do tempo morto, esquecido…
Tão desbotada e puída
aquela fita escocesa
que enfeitava o teu vestido.

Fala comigo e conversa,
na linguagem que eu entendo,
a tua velha gaveta,
a vida nela dispersa
chega à cama onde me estendo
num perfume de violeta.

Vejo as tuas jóias falsas
que usavas todos os dias,
do princípio ao fim do ano,
e ainda oiço as tuas valsas,
minha mãe, e as melodias
que cantavas ao piano.

Vejo brancos, decotados,
os teus sapatos de baile,
um broche em forma de lira,
saia aos folhos engomados
e sobre o vestido um xaile,
um xaile de Caxemira.

Quantas voltas deu na vida
este álbum de retratos,
de veludo cor de tília?
Gente outrora conhecida,
quem lhe deu tantos maus tratos?

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arte poética

o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se escrevem, Lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim tantas vezes, poema lê-se silêncio,
lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu
olhar doce de menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,

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Se te Queres Matar

Se te queres matar, por que não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria…
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por atores de convenções e poses determinadas,
O circo policromo do nosso dinamismo sem fím?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente…
Talvez, acabando, comeces…
E, de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!
Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém…
Sem ti correrá tudo sem ti.
Talvez seja pior para outros existires que matares-te…
Talvez peses mais durando, que deixando de durar…

A mágoa dos outros?… Tens remorso adiantado
De que te chorem?
Descansa: pouco te chorarão…
O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,

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Finda

A conclusão de tudo é só a morte
e não há mais epílogo nem finda.
Não se termina o verso nem o curso
mudamos à conversa interrompida.

Não findamos o verso nem acaba
o desfazer-se o mar contra esta praia.
A conclusão de tudo é só a morte,
nem o silêncio quebra a sua amarra.

Sequer há conclusão? Sequer há morte
nas palavras deixadas pelos recantos
mais sujos e perdidos do seu norte?

Amor que nos moveu no desalento,
a pátria destes versos foi só pura
imaginação por dentro da memória.

(Mas já outras canções nos estremecem:
longe do coração começa a História.)

Semântica Electrónica

Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordens
coordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim – o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
– Mas – diz-me a ordenança –
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens…
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!

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A Invenção do Amor

Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia
quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes
que a invenção do amor se processe em cadeia

Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos

(…)

Falta Pouco

Falta pouco para acabar
o uso desta mesa pela manhã
o hábito de chegar à janela da esquerda
aberta sobre enxugadores de roupa.
Falta pouco para acabar
a própria obrigação de roupa
a obrigação de fazer barba
a consulta a dicionários
a conversa com amigos pelo telefone.

Falta pouco
para acabar o recebimento de cartas
as sempre adiadas respostas
o pagamento de impostos ao país, à cidade
as novidades sangrentas do mundo
a música dos intervalos.

Falta pouco para o mundo acabar
sem explosão
sem outro ruído
além do que escapa da garganta com falta de ar.

Agora que ele estava principiando
a confessar
na bruma seu semblante e melodia.