Poemas sobre Medida

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Poemas de medida escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

As Mãos que se Procuram

Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida

As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas

A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafia

A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.

[Amor Condusse Noi Ad Una Morte]

Que não Arrefeça em Nós

Que não arrefeça em nós
nem a luz nem o fogo
e que a fome entardecida
pela penumbra da fadiga dos olhos
nunca renuncie ao sabor dos frutos
ou à febre da sede dos lábios.
Assim se faça tudo, amor,
à medida do que se ama,
que o corpo prostrado pelo êxtase
não conhece tréguas nem assombro.
Desenha-me na paz dos azulejos
com o meu perfil de ave anoitecida
e inaugura no meu peito
a festa circular dos dedos
tatuando ilhas em redor do coração.
Esquiva, demoras-te no verso
o instante de lume de uma revelação
e quando voltas é sempre
com uma promessa de partida
e quando partes é sempre
com um anúncio de caos, de temor
na clara água do olhar. Deixo-te agora
amar, indefesa, para resgate da alma.

Livro do Amor

O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros.
Apartamento faz uma secção.
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami! — mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.

Tradução de Paulo Quintela

O Tempo Passa? Não Passa

O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.

O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.

Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.

São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.

E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.

Igual-Desigual

Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.

Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar.

Carlos Drummond de Andrade, in ‘A Paixão Medida’

Como Realiza o Corpo este Exercício da Queda

Como realiza o corpo este exercício
da queda no súbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estão vencidos,
cerrados pela transparência e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, míseras as mãos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. Só a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a não ser o profundo
bando do grito terrível de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os músculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao núcleo da luz deslumbrante?
Ó mar de que futuro, rumor volúvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixão!

A Prisão do Orgulho

Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.

Tradução de Manuel Simões

Erra, Fio mortal da Alma, o Destino

Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco será o poder do nada, o silêncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ásperas
e pálidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhã ou o inigualado luto
da noite, é solene, é suave,
inexorável princípio de tudo
quanto existirá. É ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cólera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a ébria, a avara solidão, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. Só minha absurda aparência
a Ave dilacera.

Tenho um Corpo a Sentir o que é de Todos

Tenho um corpo a sentir o que é de todos,
um espelho aonde não aparece tudo; nem a mão que
vai ao sonho tornando menor o ultraje da criança
dividida com fantasmas de adultos. Ali, só permanece
a soma dos noivos deitados sobre a própria imagem.

E subentende-se o espanto da alma que não imita
nada do homem. Ficam as medidas do corte por baixo
dos pontos, pois em cada parte do mundo te junto,
crio o que sou na morte adiantando
esse modelo inútil que está no berço.

E ele embalança por nada. Não sente o que está
dentro e não começa nunca antes da saudade: esse nó
que damos em nós mesmos depois de passado o tempo.

Escola

O que significa o rio,
a pedra, os lábios da terra
que murmuram, de manhã,
o acordar da respiração?

O que significa a medida
das margens, a cor que
desaparece das folhas no
lodo de um charco?

O dourado dos ramos na
estação seca, as gotas
de água na ponta dos
cabelos, os muros de hera?

A linha envolve os objectos
com a nitidez abstracta
dos dedos; traça o sentido
que a memória não guardou;

e um fio de versos e verbos
canta, no fundo do pátio,
no coro de arbustos que
o vento confunde com crianças.

A chave das coisas está
no equívoco da idade,
na sombria abóbada dos meses,
no rosto cego das nuvens.

Matura Idade

Já não receio
meu avesso de medos.

Distingo as coisas
em sua proposta exacta
e sei — cada ser
possui justa medida.

Já não almejo
o que me foi negado.

Prossigo a caminhada
colhendo o que
me coube, consoante
o chão lavrado.

Romance

Fruto de solidão
preso à fronde do vento,
lua, tu nos dás
a medida do eterno,
essa altura que jogas
contra o espaço celeste
em nós refere a terra,
que em nossa ânsia integras.
E ao nosso amor integras
tudo o que não sofremos,
tudo o que não tivemos
e apenas pressentimos,
em tua marcha sentimos
tudo o que não teremos
e tudo o que já viveram
corações noutros tempos.
Flanco de solidão,
maçã casta e sensual
presa ao ramo oscilante
entre a alma e o carnal,
em ti, suprema altura,
os olhos vão reunindo
as trilhas do abandono
e alguns ecos da infância.

Pata branca de touro
extraviada no azul.

A Dama de Elche

Seus olhos
pararam no limiar. Mas a morte
participa também do mistério da vida,
e essas amêndoas que mantém
explícitas ao nada, anunciam
outra árvore em nós.

Toda a feição já se concentra
no que os olhos não dizem. Antes
fossem fechados,
como os lábios na dureza do mento,
e a ciência ou a razão que nos perturba
não deixariam no berloque aguerrido
essa espantosa serenidade gélida de amor.

Mulher-senhora. Mãe?
Nos adornos
da espera, (nossa
a dúvida) fica a vida
que freme, e os abismos
que a beleza flanqueiam. Até que os pés
alados
despertem a princesa. Então,
Deus a recolhe,
e roça
nossas parcas medidas. A morte
desancora. Pela rigidez
da inacessível máscara, escorre
como as chuvas
o seu íntimo trabalho de existir.

Protesto

Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.

Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.

Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.

nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.

Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.

Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.

Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.

Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)

Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.

Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,

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Intimidade

Meu coração tem quantos versos quer;
É só pulsá-los com medida e rumo.
É só erguer-se a pino a um céu qualquer,
E desse alado azul cair a prumo.

Logo se desvanece o negro encanto
Que os tinha ocultos no condão da bruma;
Logo o seu corpo esguio rasga o manto,
E mostra a humanidade que ressuma.

Mas quanto ele sangra para os orvalhar
De ternura, de sonho e de ilusão,
São outros versos. . . para segredar
A quem é seu irmão.

A Ausência Desincorpora

A Ausência desincorpora – e assim faz a Morte
Escondendo os indivíduos da Terra
A Superstição ajuda, tal como o amor –
A Ternura diminui à medida que a experimentamos –

Tradução de Nuno Júdice

Menino

No colo da mãe
a criança vai e vem
vem e vai
balança.
Nos olhos do pai
nos olhos da mãe
vem e vai
vai e vem
a esperança.

Ao sonhado
futuro
sorri a mãe
sorri o pai.
Maravilhado
o rosto puro
da criança
vai e vem
vem e vai
balança.

De seio a seio
a criança
em seu vogar
ao meio
do colo-berço
balança.

Balança
como o rimar
de um verso
de esperança.

Depois quando
com o tempo
a criança
vem crescendo
vai a esperança
minguando.
E ao acabar-se de vez
fica a exacta medida
da vida
de um português.

Criança
portuguesa
da esperança
na vida
faz certeza
conseguida.
Só nossa vontade
alcança
da esperança
humana realidade.

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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O Homem que Contempla

Vejo que as tempestades vêm aí
pelas árvores que, à medida que os dias se tomam mornos,
batem nas minhas janelas assustadas
e ouço as distâncias dizerem coisas
que não sei suportar sem um amigo,
que não posso amar sem uma irmã.

E a tempestade rodopia, e transforma tudo,
atravessa a floresta e o tempo
e tudo parece sem idade:
a paisagem, como um verso do saltério,
é pujança, ardor, eternidade.

Que pequeno é aquilo contra que lutamos,
como é imenso, o que contra nós luta;
se nos deixássemos, como fazem as coisas,
assaltar assim pela grande tempestade, —
chegaríamos longe e seríamos anónimos.

Triunfamos sobre o que é Pequeno
e o próprio êxito torna-nos pequenos.
Nem o Eterno nem o Extraordinário
serão derrotados por nós.
Este é o anjo que aparecia
aos lutadores do Antigo Testamento:
quando os nervos dos seus adversários
na luta ficavam tensos e como metal,
sentia-os ele debaixo dos seus dedos
como cordas tocando profundas melodias.

Aquele que venceu este anjo
que tantas vezes renunciou à luta.

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Paz

Irreprimível natureza
exacta medida do sem-fim
não atinjas outras distâncias
que existem dentro de mim.

Que os meus outros rostos não sejam
o instável pretexto da minha essência.
Possam meus rios confluir
para o mar duma só consciência.

Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração.