Gozo e Dor
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– Não. Ai não; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma à ventura:
O excesso de gozo é dor.Dói-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
Não sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.É que não há ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razão.
Poemas sobre Ternura
73 resultadosProcuro-te
Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.
O que se é Vem à Flor?
“Não, não digas nada” Fernando Pessoa
Melhor seria não dizer-te nada
já que as palavras se frustram, Pessoa
– ai! onde as pás sutis e as virgens lavras
do ver de terna fala entre as criaturas?
Já que as palavras nos frustram, pessoas
perdidas no universo das palavras
– ai tempos de durames sem ternuras! –
melhor seria não dizer-te nada.
Calo. Do teu silêncio aflora a fala
desse verde essencial – cerne, mensagem,
viva raiz-mistério da linguagem.
Na força de não ter dito o que mais cala.
Rei Destronado
O teu lugar vazão!… E esteve cheio,
Cheio de mocidade e de ternura!
Como brilhava a tua formosura!
Que luz divina te doirava o seio!Quando a camisa tépida despias,
– Sob o reflexo do cabelo louro,
De pé, na alcova, ardias e fulgias
Como um ídolo de ouro.Que fundo o fogo do primeiro beijo,
Que eu te arrancava ao lábio recendente!
Morria o meu desejo… outro desejo
Nascia mais ardente.Domada a febre, lânguida, em meus braços
Dormias, sobre os linhos revolvidos,
Inda cheios dos últimos gemidos,
Inda quentes dos últimos abraços…Tudo quanto eu pedira e ambicionara,
Tudo meus dedos e meus olhos calmos
Gozavam satisfeitos nos seis palmos
De tua carne saborosa e clara:Reino perdido! glória dissipada
Tão loucamente! A alcova está deserta,
Mas inda com o teu cheiro perfumada,
Do teu fulgor coberta…
Crepuscular
Há no ambiente um murmúrio de queixume,
De desejos de amor, d’ais comprimidos…
Uma ternura esparsa de balidos,
Sente-se esmorecer como um perfume.
As madressilvas murcham nos silvados
E o aroma que exalam pelo espaço,
Tem delíquios de gozo e de cansaço,
Nervosos, femininos, delicados,
Sentem-se espasmos, agonias d’ave,
Inapreensíveis, mínimas, serenas…
_ Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas,
O meu olhar no teu olhar suave.
As tuas mãos tão brancas d’anemia…
Os teus olhos tão meigos de tristeza…
_ É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.
Bramido
ao Eduardo White
em quantas dimensões alastram
essas tuas palavrascom que buscas
afinal só ternuraa ternura de ser
o sorriso
a lágrima
a angústia
Natal Diferente
I
Catedrais de luz erguidas na cidade.
Neve artificial nas montras com brinquedos.
Soa um Cântico antigo no vento da tarde
que arrefece. Em cada rosto, em cada olhar,
um não-sei-quê de pasmo nesta hora de Natal.Não é serenidade o que se bebe pelas ruas.
Cinzenta é a cor do céu. Decerto vai chover.
No ambiente superficial
representam-se alegrias.
As notícias nos jornais agravam
o cepticismo deste Natal a haver.Sinto-me vazio. Lasso. Sem vontade.
Uma grande ternura a boiar dentro de rnirn:
Lástima, piedade, amor pelos humanos?
Mas de que serve comover-me assim?Vou aceitar este Natal, tal como está.
Com álcool. Com prazer.
Embriagar-me de luz, de sons e de ilusões.
Ser como toda a gente. E possa o mundo arder!II
Meu Menino Jesus que deves estar no Céu
vem tiritar nas cidades sem calor.
Vem dar realidade a este dia, vem!
— Trinta e três anos e a consciência em flor.
Mas não venhas de fraldas: a Estrela já brilhou.
Traz o corpo macerado,
Os putos
Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixoUm berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.
Vem Ver a Minha Mãe
Está junto das coisas que bordaram
com ela os dias que supôs mais belos
e são a fonte de onde lhe começa
o branco tempo dos cabelos.Mal pousa a vida nos seus dedos gastos
do sonho que pousou na minha mão
e no sangue tão frágil que sustenta
tanta ternura e tanta solidão.
Dispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E hoje, quando me sinto,
É com saudades de mim.Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:Porque um domingo é familia,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem familia).O pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que te abismaste nas ânsias.A grande ave dourada
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traíu a si mesmo.Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projecto:
Se me olho a um espelho,
Quando um Homem Quiser
Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmãoE tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão, amigo, és meu irmãoNatal é em Dezembro
mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulherTu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e comboios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmãoE tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão, amigo, és meu irmão
Os Amigos
Os amigos amei
despido de ternura
fatigada;
uns iam, outros vinham,
a nenhum perguntava
porque partia,
porque ficava;
era pouco o que tinha,
pouco o que dava,
mas também só queria
partilhar
a sede de alegria —
por mais amarga.
Adeus
Sim, vou partir.
E não levo saudade
De ninguém
Nem em ti penso agora!
Julgavas que a tristeza desta hora
Fosse maior que a firme vontade
Que eu pus em destruir
O luminoso fio de ternura
Que me prendia ao teu olhar?
Julgaste mal:
Eu sei amar,
Mas meu amor
O que eu não sei
É ser banal!Mas por que vim eu escrever-te ainda?
Nem eu sei!
Talvez somente
O hábito cortês da despedida
– e o hábito faz lei!Choro?! Oh, sim , perdidamente!
Mas sabes tu, por que este pranto
Assim amargo e soluçado vem?
É que na hora da partida
Eu nunca pude sem chorar
Dizer adeus a ninguém!
Bel
Hálito da terra depois da chuva:
cálida ternura
aflorando
na espessura
do lábioTeu corpo
leveza que pesa
um saber sábio
secreto
da NaturezaPor isso os bichos te amam
em suas falas naturais:
os felinos
os caprinos
e os poetas – bichos marginais
Orfeu Rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.Outros, felizes, sejam os rouxinóis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
A Tua Boca
A tua boca. A tua boca.
Oh, também a tua boca.
Um túnel para a minha noite.
Um poço para a minha sede.Os fios dormentes de água
que a tua língua solta num grito cor-de-rosa
e a minha língua sorve e canta
e os meus dentes mordem derramando a seiva
da tua primavera sem palavras
o poema inquieto e livre que a tua boca oferece
à minha boca.As loucas bebedeiras de ternura
por essa viagem até ao sangue.
Os beijos como fogueiras.
As línguas como rosas.Oh, a tua boca para a minha boca.
Meu amor, meu amor
Meu amor meu amor
meu corpo em movimento
minha voz à procura
do seu próprio lamento.Meu limão de amargura meu punhal a escrever
nós parámos o tempo não sabemos morrer
e nascemos nascemos
do nosso entristecer.Meu amor meu amor
meu nó e sofrimento
minha mó de ternura
minha nau de tormentoeste mar não tem cura este céu não tem ar
nós parámos o vento não sabemos nadar
e morremos morremos
devagar devagar.
Podes Ter os Amores que Quiseres…
Podes dizer que me não amas,
sim, podes dizê-lo,
e o mundo acreditar,
porque só eu saberei
que mentes!Eu estou na tua alma
como a flama
que devora sob a cinza
as brasas dormentes…Não creias no remorso
– o remorso não existe!
O que tu sentes
e o que em ti subsiste,
são o rubor da minha ternura
e a chama do meu amor
que em ti
nunca foram ausentes!…Não julgues, não, que me esqueceste,
porque mentes a ti mesmo
se o disseres…
Podes ter os amores que quiseres,
que o teu amor por mim,
como uma dor latente e compungida,
há-de acompanhar sempre
a tua e a minha vida!
Com uma Estrela na Voz
Que voz é esta? De onde vem?
Que fantasmas antigos desperta
quando tudo o mais parece
ferido pela imobilidade de um sono de pedra?Corres agora atrás das vozes
acantonadas nas arcas de Dezembro
e o que buscas é uma centelha de riso,
o fugaz cristal de uma lágrima,
o aconchego de uma carícia
capaz de vergar a noite ao peso
imaterial de um instante de ternura.É só isso que buscas, nada mais.
E tudo o que buscas
é uma lança que trespassa a morte
tantas vezes anunciada
no mudo sofrimento dos animais.E se, buscando, é a luz que encontras,
ergue-a então como um estandarte
na hora de todos os fingimentos
e continua buscando até descobrires
que a voz que persegues e quase te enlouquece
é a tua própria voz soletrando nos portais
os nomes piedosos e límpidos
de quem chega um dia no rasto de uma estrela.
Poeta Castrado, Não!
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:Da fome já não se fala
– é tão vulgar que nos cansa –
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?Do frio não reza a história
– a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?E o resto que pode ser
o poema dia a dia?