Posse II
Ele —
Seduzir o cotidiano pelo corpo.
Penetrá-lo deste brilho longo,
compacto,
onde o cansaço não é tédio
mas úmido intervalo.A paisagem não sustenta
mais os olhos; estrelas
despojaram-se dos monólogos,
a flor voltou a si, não mais
dizer exausto, a primavera guardou
sua intimidade no discurso
das árvores, e o amor,
esgarçado de imagens,
procurou outro equilíbrio
além da frase, de um silêncio
a outro.Nem sempre a paz levou-nos
a suas tácitas paragens:
a liberdade aspirou um ser estranho,
em que de novo nos olhássemos.No corpo prosseguimos
onde o amor parava.
E inventamos. Sem palavras
tornamos nossa a carne da manhã,
a exaurir o tempo, sem fidelidade
alguma, no dia imprevisível,
além do nosso invento.
Poemas sobre Corpo de Lupe Cotrim
4 resultadosAo Amor
O que desejas de mim
nunca o dará o lampejo de um momento,
a conquista de um dia da montanha.Meu corpo — para ti somente —
deve emergir a cada gesto límpido
e profundo deve ser meu futuro
para reter-te e recriar-te permanente.Sei que em mim te estenderás, não mais disperso,
em desejo e em procura de teu filho
e que todo movimento de meu ser
será o rumo de teu universo.E por isso temo. No meu sentimento
sofro por ti. Receio
ser larga a hesitação de meu caminho,
ser um mito a conquista da montanha,
ser pobre e fugaz o meu espaço
na extensão que reduz teu infinito.
Entre a Flor e o Tempo
Também de dor se morre pois é morte
o sentimento ausente. O ser feliz
é ser presente, sem que mais importe
esse profundo sulco e a cicatriz
que no corpo nos marca o sofrimento.
Assim é nossa vida, sempre o lance
de viver, mesmo em dor, e dos momentos
erguer templos, embora breve o alcance
em nós do tempo. E o que restar do ardor
com que se vive o amor enfim carrega
em rosa mais perfeita e em outro amor
sonhado da extensão de nossa entrega.
No impulso com que o espaço alcança o tempo
a vida se ergue além do sofrimento.
Posse I
Ela —
Na corporificação da claridade
festejaremos nosso encontro.
Os intervalos de posse,
iluminados,
se encobrem de flores;
musgos são tessitura
desta distância breve,
desta pausa madura.A palma das mãos
é um êxtase de frutos:
a pele se modula
nas águas transparentes
que de nós a nós
é rio consequente.Súbito como um voo,
o estar se perturba.
Um leve toque de olhar
acusa o futuro,
onde perduramos desunidos.O espaço concreto em nós
é tão exíguo
A manhã não satisfaz
a emergência de outro encontro;
somente a luz
projecta além
nossos corpos dourados,
nossa incrível festa.