Elegia de Natal
Era também de noite Era também Dezembro
Vieram-me dizer que o meu irmão nascera
Já não sei afinal se o recordo ou se penso
que estou a recordá-lo à força de o dizeremMas o teu berço foi o primeiro presépio
em que pouco depois o meu olhar pousava
Não era mais real do que existirem prédios
nem menos irreal do que haver madrugadasDezembro retornava e nunca soube ao certo
se o intruso era eu se o intruso eras tu
Quase aceitava até que alguém te supusesse
mais do que meu irmão um gémeo de JesusPara ti se encenava o palco da surpresa
Entravas no papel de que eu ia descrendo
Mas sabia-me bem salvar a tua crença
E era sempre de noite Era sempre em DezembroEntretanto em que mês em que dia é que estamos
Que verdete corrói prédios e madrugadas
De que muro retiro o musgo desses anos
que entre os dedos depois se me desfaz em águaPara onde levaste a criança que foste
Em vez da tua voz que ciprestes são estes
Como dizer Natal se te não vejo hoje
Como dizer Natal agora que morreste
Poemas sobre Crianças de David Mourão-Ferreira
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Memória
Tudo que sou, no imaginado
silêncio hostil que me rodeia,
é o epitáfio de um pecado
que foi gravado sobre a areia.O mar levou toda a lembrança.
Agora sei que me detesto:
da minha vida de criança
guardo o prelúdio dum incesto.O resto foi o que eu não quis:
perseguição, procura, enlace,
desse retrato feito a giz
pra que não mais eu me encontrasse.Tu foste a noiva que não veio,
irmã somente prometida!
— O resto foi a quebra desse enleio.
O resto foi amor, na minha vida.