Poemas sobre Dever de Álvaro de Campos

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Poemas de dever de Álvaro de Campos. Leia este e outros poemas de Álvaro de Campos em Poetris.

A Frescura

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que’eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
E tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora…
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

Nuvens

No dia triste o meu coração mais triste que o dia…
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de consequências?
Não, nada…
O dia triste, a pouca vontade para tudo…
Nada…

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive),
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério em toda a chegada,
De horrível em todo o novo…

Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente…
Não sentem: para que haveriam de sentir?
Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício
Sob o sol, alacre, vivo, contente de sentir-se…
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer…

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Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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O Ter Deveres

O ter deveres, que prolixa coisa!
Agora tenho eu que estar à uma menos cinco
Na Estação do Rossio, tabuleiro superior — despedida
Do amigo que vai no “Sud Express” de toda a gente
Para onde toda a gente vai, o Paris …

Tenho que lá estar
E acreditem, o cansaço antecipado é tão grande
Que, se o “Sud Express” soubesse, descarrilava…

Brincadeira de crianças?
Não, descarrilava a valer…
Que leve a minha vida dentro, arre, quando descarrile!…

Tenho desejo forte,
E o meu desejo, porque é forte, entra na substância do mundo.