Passagens sobre Linhas

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Frases sobre linhas, poemas sobre linhas e outras passagens sobre linhas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Nada é Certo

Ninguém avança pela vida em linha recta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos voo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutávelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar.

A Mulher

Se é clara a luz desta vermelha margem
é porque dela se ergue uma figura nua
e o silêncio é recente e todavia antigo
enquanto se penteia na sombra da folhagem.
Que longe é ver tão perto o centro da frescura

e as linhas calmas e as brisas sossegadas!
O que ela pensa é só vagar, um ser só espaço
que no umbigo principia e fulge em transparência.
Numa deriva imóvel, o seu hálito é o tempo
que em espiral circula ao ritmo da origem.

Ela é a amante que concebe o ser no seu ouvido, na corola
do vento. Osmose branca, embriaguez vertiginosa.
O seu sorriso é a distância fluida, a subtileza do ar.
Quase dorme no suave clamor e se dissipa
e nasce do esquecimento como um sopro indivisível.

Virtudes Inconscientes

Todas as qualidades pessoais de que um homem tem consciência – sobretudo quando supõe que os que o rodeiam as vêem, que saltam aos olhos dos outros -, estão submetidas a leis da evolução completamente diferentes daquelas que regem as qualidades que ele conhece mal ou não conhece, as qualidades que a sua finura dissimula ao observador mais subtil e que parecem entrincheirar-se atrás da cortina do nada. Assim como a delicada gravura que esculpe a escama da serpente: seria um erro ver nela ou uma arma ou um ornamento, porque só é possível descobri-la ao microscópio, por consequência com um olho cuja potência é devida a tais artifícios que os animais para os quais ela teria por sua vez servido de arma ou de ornamento não possuem semelhante!
As nossas qualidade morais visíveis e, nomeadamente, aquelas que nós acreditamos serem tais, seguem o seu caminho; e as do mesmo nome que se não vêem, que não podem portanto servir-nos de arma ou de ornamento, seguem assim o seu caminho, provavelmente completamente diferente, decoradas de linhas, de finuras e de esculturas que poderiam talvez dar prazer a um deus munido com um microscópio divino. Eis por exemplo o nosso zelo,

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Prever o Futuro

Das coisas mais difíceis que há na vida é prever o futuro. Quando se tem quarenta anos, e já se pode olhar isto com certa perspectiva, é que se vê como se errou em todas as profecias. Conseguem-se vislumbrar, quando muito, as linhas gerais, os aspectos mais grosseiros das veredas do porvir. Isto, por exemplo: que a humanidade é móvel, oscilante, indo para o mau caminho quando vai no bom, e para o bom quando vai no mau.

Um Renque de Árvores lá Longe

Um renque de árvores lá longe, lá para a encosta.
Mas o que é um renque de árvores? Há árvores apenas.
Renque e o plural árvores não são cousas, são nomes.
Tristes das almas humanas, que põem tudo em ordem,
Que traçam linhas de cousa a cousa,
Que põem letreiros com nomes nas árvores absolutamente
reais,
E desenham paralelos de latitude e longitude
Sobre a própria terra inocente e mais verde e florida do
que isso!

Dialética

Quando não se queima lenha
na casa de palha e taipa,
sinal de fome que escapa
à saga que se faz senha.

Rio, termômetro da várzea,
geografia de sol e chuva;
linha d’água, arco em curva,
elementos dessa faina.

Um pássaro risca na tarde
a cambraia do seu canto;
o fado da sarça, que arde,

queimando encardidos lírios
e a tua palidez palustre
em febre acendendo círios.

O Apogeu

Cada ser humano atinge o seu apogeu de maneira diferente, num dado momento. Uma vez alcançado esse ponto alto, é sempre a descer. Fatal como o destino. E o pior é que ninguém sabe onde é que se situa o seu próprio auge. A linha divisória pode desenhar-se de repente, quando uma pessoa pensa que ainda estava a pisar terreno seguro. Ninguém tem maneira de saber. Alguns atingem esse pico aos doze anos, e depois espera-os uma vida perfeitamente monótona e sem chama. Outros continuam sempre em ascensão até à morte; outros morrem no seu máximo esplendor. Muitos poetas e compositores vivem em estado de permanente arrebatamento e estão mortos quando chegam aos trinta anos. Depois há aqueles, como é o caso de Picasso, que aos oitenta e muitos anos ainda pintava quadros cheios de vigor e teve uma morte tranquila, sem saber o que era o declínio.

O Perigo da Leitura Excessiva

Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: repetimos apenas o seu processo mental. Ocorre algo semelhante quando o estudante que está a aprender a escrever refaz com a pena as linhas traçadas a lápis pelo professor. Sendo assim, na leitura, o trabalho de pensar é-nos subtraído em grande parte. Isso explica o sensível alívio que experimentamos quando deixamos de nos ocupar com os nossos pensamentos para passar à leitura. Porém, enquanto lemos, a nossa cabeça, na realidade, não passa de uma arena dos pensamentos alheios. E quando estes se vão, o que resta? Essa é a razão pela qual quem lê muito e durante quase o dia inteiro, mas repousa nos intervalos, passando o tempo sem pensar, pouco a pouco perde a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que sempre cavalga e acaba por desaprender a caminhar. Tal é a situação de muitos eruditos: à força de ler, estupidificaram-se. Pois ler constantemente, retomando a leitura a cada instante livre, paralisa o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, visto que, na execução deste último, é possível entregar-se aos seus próprios pensamentos.
No entanto, como uma mola que, pela pressão constante acarretada por meio de um corpo estranho,

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Rentabilizar o Tempo

Sempre que damos algo como adquirido deixamos de sentir a plenitude, abdicamos da essência e acabamos por nos esquecer do «Agora», o único momento de ação que temos e que é verdadeiramente real. O que pretendo afirmar com estas linhas é tão simples como isto: o facto de sabermos do fim aproxima-nos de tudo o que realmente vale a pena e nada é mais imponente que a natureza, as pessoas e os afetos. Nada é mais importante que a forma como escolhemos rentabilizar o tempo finito que temos. Damos mais valor à vida quando temos a certeza absoluta que vamos morrer e quanto mais cedo adquirirmos essa consciência, mais sentimos, mais nos damos, mais sabemos receber, mais arriscamos, mais desfrutamos, mais celebramos, mais inspiramos e, por conseguinte, mais felizes somos também.

O Homem que Lê

Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde… em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.

E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;

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A Necessidade da Filosofia

A filosofia não brota por ser útil, mas tão-pouco pela acção irracional de um desejo veemente. É constitutivamente necessária ao intelectual. Porquê? A sua nota radical era buscar o todo como um tal todo, capturar o Universo, caçar o Unicórnio. Mas porquê esse profundo anseio? Por que não nos contentamos com o que, sem filosofar, achamos no mundo, com o que já é e aí está patente diante de nós? Por esta simples razão: tudo o que é e está aí, quanto nos é dado, presente, patente, é por sua essência um mero bocado, pedaço, fragmento, coto. E não podemos vê-lo sem prever e verificar que está a menos a porção que falta. Em todo o ser que é dado, em todo o dado do mundo encontramos a sua essencial linha de fractura, o seu carácter de parte e só parte – vemos a ferida da sua mutilação ontológica, grita-nos a sua dor de amputado, a sua nostalgia do bocado que lhe falta para ser completo, o seu divino descontentamento. Há doze anos, quando eu falava em Buenos Aires, definia o descontentamento «como um amar sem amado e uma como dor que sentimos em membros que não temos». É o achar de menos o que não somos,

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O fato é que tenho nas minhas mãos um destino e, no entanto, não me sinto com o poder de livremente inventar. Sigo uma oculta linha fatal. Sou obrigado a procurar uma verdade que me ultrapassa.

A Idade da Derrota Aceite

Tenho sessenta anos. Não te iludas: não estou ainda bastante fraco para ceder às imaginações do medo, quase tão absurdas como as da esperança e seguramente muito mais penosas. Se fosse preciso enganar-me a mim mesmo, preferia que fosse no sentido da confiança; não perderia mais com isso e sofreria menos. Este fim tão próximo não é necessariamente imediato; deito-me ainda, todas as noites, com a esperança de chegar à manhã seguinte. Adentro dos limites intransponíveis de que te falei há pouco, posso defender a minha posição passo a passo e recuperar mesmo algumas polegadas do terreno perdido. Não deixo por isso de ter chegado à idade em que a vida se torna, para cada homem, uma derrota aceite. Dizer que os meus dias estão contados não significa nada; sempre assim foi; é assim para todos nós. Mas a incerteza do lugar, do tempo e do modo, que nos impede de distinguir bem o fim para o qual avançamos sem cessar, diminui para mim à medida que a minha doença mortal progride. Qualquer pessoa pode morrer de um momento para o outro, mas o doente sabe que passados dez anos já não será vivo.
A minha margem de hesitação já não se alonga em anos,

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Carta a um «Amor»

Recordo, Margarida, as tardes quando
Cata no Marão o Sol de Julho!
Meu ranchinho de rolas rorolando,
Vós éreis meu orgulho.

O ar como um veludo, os ares tão macios,
Ó tardes do jardim! à fonte da água, aos fios,
íamos todos nós era tão alegre bando
Que desde que eu o não sinto
Sou como um corpo extinto,
Não sinto ora nem quando.

E estar de vós tão longe
Cá neste meu terreno onde pareço um monge,
Sem uma linha, um verso
Desse Corgo sem par, a boa e madre
Terra como outra assim não haverá,
Montanhas que no Céu têm aquase o berço!
Escreve, Margarida, ao teu compadre,
Vá!

Quero que diga
Florinda como vai, e vai assim Loreto,
Lindo pajem, que linda em seu veludo preto!
E os mais amorzinhos, rapariga,
Os que tua amizade aí me deu!

Na alma dum poeta, vê-se nela o céu:
E assim
A tudo, Margarida, o que o prendeu
Arrecada-o na vida, e para a morte.
Escreve mal, e daí,

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Saudade

Ter saudade
é vaga disforme de um corpo.
Ter saudade
é pássaro que aparece e se apaga
erguido de confusão
na angústia, teste dado à natureza
bruxuleante dentro de mim.
Ter saudade
é fingir qualquer coisa que inquieta,
levantada, desenterrada do crivo da memória.
Por vezes quando o tempo por ela passa
não passa o tempo da saudade,
estátua rígida dum destino anoitecido,
passa um nada meio acontecido.
Saudade,
é filha da alma do mundo
que de tanto ser outro
sou eu já.
Saudade,
porque viajas cansada
em horas dentro de mim?
Saudade
que vieste até à última força desta linha,
brumosa da eterna caminhada.
Sempre que vieres
sem avisares
leva-me contigo
para que a paz volte
à memória de meu corpo
como o rio que passa
no tempo final da minha natureza.