Poemas sobre Engano de Manuel da Fonseca

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Poemas de engano de Manuel da Fonseca. Leia este e outros poemas de Manuel da Fonseca em Poetris.

Dona Abastança

«A caridade é amor»
Proclama dona Abastança
Esposa do comendador
Senhor da alta finança.

FamĂ­lia necessitada
A boa senhora acode
Pouco a uns a outros nada
«Dar a todos não se pode.»

Já se deixa ver
Que nĂŁo pode ser
Quem
O que tem
Dá a pedir vem.

O bem da bolsa lhes sai
E sai caro fazer o bem
Ela dá ele subtrai
Fazem como lhes convém
Ela aos pobres dá uns cobres
Ele incansável lá vai
Com o que tira a quem nĂŁo tem
Fazendo mais e mais pobres.

Já se deixa ver
Que nĂŁo pode ser
Dar
Sem ter
E ter sem tirar.

Todo o que milhões furtou
Sempre ao bem-fazer foi dado
Pouco custa a quem roubou
Dar pouco a quem foi roubado.

Oh engano sempre novo
De tĂŁo estranha caridade
Feita com dinheiro do povo
Ao povo desta cidade.

Tragédia

Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pĂ´s a uso
aquilo que aprendeu
— vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor AntĂłnio
(tĂŁo novinho e já era «o Senhor AntĂłnio»!…)
ficou dono da loja e chefe da famĂ­lia…
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!…
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado…
— que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de VerĂŁo,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: — Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestĂŁo…