Poemas sobre Espuma de Eugénio de Andrade

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Poemas de espuma de Eugénio de Andrade. Leia este e outros poemas de Eugénio de Andrade em Poetris.

Até Amanhã

Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
Ă  roda do corpo que desperta,
sĂ­laba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar Ă© diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.

Frente a frente

Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carĂ­cia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
– e Ă© tĂŁo pouco!

O Amor

Estou a amar-te como o frio
corta os lábios.

A arrancar a raiz
ao mais diminuto dos rios.

A inundar-te de facas,
de saliva esperma lume.

Estou a rodear de agulhas
a boca mais vulnerável

A marcar sobre os teus flancos
o itinerário da espuma

Assim é o amor: mortal e navegável.

Pequena Elegia de Setembro

NĂŁo sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas Ăşltimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que mĂşsica escutas tĂŁo atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou Ă© dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a mĂşsica cesse
e tu nĂŁo possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memĂłria.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tĂŁo alheia
que nem dás por mim.