Poemas sobre Exterior de Fernando Pessoa

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Poemas de exterior de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Feliz Dia para Quem É

Feliz dia para quem Ă©
O igual do dia,
E no exterior azul que vĂȘ
Simples confia!

Azul do céu faz pena a quem
NĂŁo pode ser
Na alma um azul do céu também
Com que viver

Ah, e se o verde com que estĂŁo
Os montes quedos
Pudesse haver no coração
E em seus segredos!

Mas vejo quem devia estar
Igual do dia
Insciente e sem querer passar.
Ah, a ironia

De só sentir a terra e o céu
TĂŁo belo ser
Quem de si sente que perdeu
A alma p’ra os ter!

Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

TĂȘnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂșde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

InĂștil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Abismo

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E sĂșbito isto me bate
De encontro ao devaneando —
O que é sério, e correr?
O que Ă© estĂĄ-lo eu a ver?

Sinto de repente pouco,
VĂĄcuo, o momento, o lugar.
Tudo de repente Ă© oco —
Mesmo o meu estar a pensar.
Tudo — eu e o mundo em redor —
Fica mais que exterior.

Perde tudo o ser, ficar,
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, Ă  terra e aos cĂ©us…

E sĂșbito encontro Deus.

Fresta

Em meus momentos escuros
Em que em mim não hå ninguém,
E tudo é névoas e muros
Quanto a vida dĂĄ ou tem,

Se, um instante, erguendo a fronte
De onde em mim sou aterrado,
Vejo o longĂ­nquo horizonte
Cheio de sol posto ou nado

Revivo, existo, conheço,
E, ainda que seja ilusĂŁo
O exterior em que me esqueço,
Nada mais quero nem peço.
Entrego-lhe o coração.