Começa a Ir Ser Dia
Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E hĂĄ um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.Mas eu, o mal-dormido,
NĂŁo sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidĂŁo vazia.
SĂł sinto o indefinido
Do coração vazio.Em vão o dia chega
Quem nĂŁo dorme, a quem
NĂŁo tem que ter razĂŁo
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que Ă© isto que a minha alma sente?
Nem isto, nĂŁo, nem eu,
Na noite que se perde.
Poemas sobre Frio de Fernando Pessoa
7 resultadosDe Onde Ă© quase o Horizonte
De onde Ă© quase o horizonte
Sobe uma névoa ligeira
E afaga o pequeno monte
Que påra na dianteira.E com braços de farrapo
Quase invisĂveis e frios,
Faz cair seu ser de trapo
Sobre os contornos macios.Um pouco de alto medito
A névoa só com a ver.
A vida? NĂŁo acredito.
A crença? Não sei viver.
Mensagem – Mar PortuguĂȘs
MAR PORTUGUĂS
Possessio Maris
I. O Infante
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, jĂĄ nĂŁo separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.Quem te sagrou criou-te portuguĂȘs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!II. Horizonte
Ă mar anterior a nĂłs, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
âSplendia sobre as naus da iniciação.Linha severa da longĂnqua costa â
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em ĂĄrvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, hĂĄ aves,
Cansa Sentir Quando se Pensa
Cansa sentir quando se pensa.
No ar da noite a madrugar
HĂĄ uma solidĂŁo imensa
Que tem por corpo o frio do ar.Neste momento insone e triste
Em que nĂŁo sei quem hei de ser,
Pesa-me o informe real que existe
Na noite antes de amanhecer.Tudo isto me parece tudo.
E Ă© uma noite a ter um fim
Um negro astral silĂȘncio surdo
E nĂŁo poder viver assim.(Tudo isto me parece tudo.
Mas noite, frio, negror sem fim,
Mundo mudo, silĂȘncio mudo –
Ah, nada Ă© isto, nada Ă© assim!)
Chove. Ă Dia de Natal
Chove. Ă dia de Natal.
LĂĄ para o Norte Ă© melhor:
HĂĄ a neve que faz mal,
E o frio que ainda Ă© pior.E toda a gente Ă© contente
Porque Ă© dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal nĂŁo.Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.
O Andaime
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi sĂł a vida mentida
De um futuro imaginado!Aqui Ă beira do rio
Sossego sem ter razĂŁo.
Este seu correr vazio
Figura, anĂŽnimo e frio,
A vida vivida em vĂŁo.A âspârança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha âsâprança,
Rola mais que o meu desejo.Ondas do rio, tĂŁo leves
Que nĂŁo sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam â verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.Gastei tudo que nĂŁo tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusĂŁo, que me mantinha,
SĂł no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.Leve som das ĂĄguas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava jĂĄ perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Elas SĂŁo Vaporosas
Elas sĂŁo vaporosas,
PĂĄlidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…VĂȘm, aĂ©reas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que hĂĄ nos seus vultos…Passam e agitam a brisa…
PĂĄlida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em aurĂ©ola Ă hora…Passam nos ritmos da sombra…
Ora Ă© uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…E assim vĂŁo indo, delindo
Seu perfil Ășnico e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lĂvido e frio…Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longĂnquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
PĂĄlido pĂĄlio lunar …