Passagens sobre Magia

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Frases sobre magia, poemas sobre magia e outras passagens sobre magia para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Os Colombos

Outros haverão de ter
O que houvermos de perder.
Outros poderão achar
O que, no nosso encontrar,
Foi achado, ou não achado,
Segundo o destino dado.

Mas o que a eles não toca
É a Magia que evoca
O Longe e faz dele história.
E por isso a sua glória
É justa auréola dada
Por uma luz emprestada.

Tudo o que dorme é criança de novo. Talvez porque no sono não se possa fazer mal, e se não dá conta da vida, o maior criminoso, o mais fechado egoísta é sagrado, por uma magia natural, enquanto dorme. Entre matar quem dorme e matar uma criança não conheço diferença que se sinta.

A Fernando Pessoa

(Depois de ler seu drama estático “O marinheiro” em “Orfeu I”)

Depois de doze minutos
Do seu drama O Marinheiro,
Em que os mais ágeis e astutos
Se sentem com sono e brutos,
E de sentido nem cheiro,
Diz rima das veladoras
Com langorosa magia
De eterno e belo há apenas o sonho.
Por que estamos nós falando ainda?

Ora isso mesmo é que eu ia
Perguntar a essas senhoras…

A magia da palavra é a única força que os intelectuais especulativos podem opor à obscenidade do real. De todas as traições que o intelectual comete, só uma é grave: acreditar que compreendeu algo pelo mero facto de ter sido capaz de ordenar uma determinada parcela de linguagem.

Psiquetipia

Símbolos. Tudo símbolos
Se calhar, tudo é símbolos…
Serás tu um símbolo também?

Olho, desterrado de ti, as tuas mãos brancas
Postas, com boas maneiras inglesas, sobre a toalha da mesa.
Pessoas independentes de ti…
Olho-as: também serão símbolos?
Então todo o mundo é símbolo e magia?
Se calhar é…
E por que não há de ser?

Símbolos…
Estou cansado de pensar…
Ergo finalmente os olhos para os teus olhos que me olham.
Sorris, sabendo bem em que eu estava pensando…

Meu Deus! e não sabes…
Eu pensava nos símbolos…
Respondo fielmente à tua conversa por cima da mesa…
“It was very strange, wasn’t it?”
“Awfully strange. And how did it end?”
“Well, it didn’t end. It never does, you know.”
Sim, you know… Eu sei…
Sim eu sei…
É o mal dos símbolos, you know.
Yes, I know.
Conversa perfeitamente natural… Mas os símbolos?
Não tiro os olhos de tuas mãos… Quem são elas?
Meu Deus! Os símbolos… Os símbolos…

Nem Sequer Sou Poeira

Não quero ser quem sou. A avara sorte
Quis-me oferecer o século dezassete,
O pó e a rotina de Castela,
As coisas repetidas, a manhã
Que, prometendo o hoje, dá a véspera,
A palestra do padre ou do barbeiro,
A solidão que o tempo vai deixando
E uma vaga sobrinha analfabeta.
Já sou entrado em anos. Uma página
Casual revelou-me vozes novas,
Amadis e Urganda, a perseguir-me.
Vendi as terras e comprei os livros
Que narram por inteiro essas empresas:
O Graal, que recolheu o sangue humano
Que o Filho derramou pra nos salvar,
Maomé e o seu ídolo de ouro,
Os ferros, as ameias, as bandeiras
E as operações e truques de magia.
Cavaleiros cristãos lá percorriam
Os reinos que há na terra, na vingança
Da ultrajada honra ou querendo impor
A justiça no fio de cada espada.
Queira Deus que um enviado restitua
Ao nosso tempo esse exercício nobre.
Os meus sonhos avistam-no. Senti-o
Na minha carne triste e solitária.
Seu nome ainda não sei. Mas eu, Quijano,
Serei o paladino.

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Um Único Poema

Quando olho para esse livro («Poesia Toda»), vejo que não fabriquei ou instruí ou afeiçoei objectos — estas palavras não supõem o mesmo modo de fazer—, vejo que escrevi apenas um poema, um poema em poemas; durante a vida inteira brandi em todas as direcções o mesmo aparelho, a mesma arma furiosa. Fui um inocente, porque só se consegue isso com inocência. E se a inocência é uma condição insubstituível de escândalo, uma transparente e mobilizadora familiaridade com a terra, constitui também um revés: pois há uma altura em que se sabe: as coisas ludibriaram-nos, ludibriámo-nos nas coisas; a inocência deveria ter-nos oferecido uma vida estupenda, um tumulto: o ar em torno proporcionado como pura levitação; ver, tocar; os mais simples actos e factos próximos como instantâneo e completo conhecimento. Era assim, foi assim, mas a dor, as vozes demoníacas, o abismo junto à dança, a noite que se vai insinuando a toda a altura e largura da luz, tudo Isso invade a inocência — e então já não sabemos nada, por exemplo: será inocente a nossa inocência? A inocência é um estado clandestino na ditadura do mundo; tem se der astuta, tem de recorrer a todas as torpezas para lutar e escapar,

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Para Que Serve A Poesia?

De servir-se utensílio dia a dia
utilidade prática aplicada,
o nada sobre o nada anula o nada
por desvendar mistério na magia.

O sonho em fantasia iluminada
aqui se oferta em módica quantia
por camelôs de palavras aladas
marreteiros de mansa mercancia.

De pagamento, apenas um sorriso
de nuvens, uma fatia de grama
de orvalho e o fugaz fulgor de astro arisco.
Serena sentença em sina servida,

seu valor se aquilata e se esparrama
na livre chama acesa de quem ama.

Ascensão

Beijava-te como se sobe uma escadaria:
pedra a pedra, do luminoso para o obscuro,
do mais visível para o mais recôndito
– até que os lábios fossem
não o ardor da sede, nem sequer a magia
da subida,
mas o tremor que é pétala do êxtase,
o lento desprender do sol do corpo
com o feliz quebranto dos meus dedos.

Sim, a partir do momento em que se conhece o porquê, tudo se torna mais fácil, uma simples questão de magia.

O Amor Infinito

Da mulher o que nos comove e enleva é a parte impoluta que ela tem do céu; é a magia que a fada exercita obedecendo a interno impulso, não sabido dela, não sabido de nós. Ali há mensagem de outras regiões; aqui, no peito arquejante, nos olhos amarados de gozozas lágrimas, há um espirar para o alto, um ir-se o coração avoando desde os olhos, desde o sorriso dela para soberanas e imorredouras alegrias. Nós é que não sabemos nem podemos ver senão o pouquinho desse infinito que nos entre-luz nas graças do primeiro amor, do segundo amor, de quantos estremecimentos de súbita embriaguez nos fazem crer que despimos o invólucro de barro e pairamos alados sobre a região das lágrimas.

É Deus que não quer ou somos nós que não podemos prorrogar a duração ao sonho? Se Deus, que mal faria à sua divina grandeza que o pequenino guzano o adorasse sempre? Porque vai tão rápida aquela estação em que o homem é bom porque ama, e é caritativo e dadivoso porque tudo sobeja à sua felicidade? Quando poderam aliar-se um amor puro com a impureza das intenções? Quais olhos de homem afectivo e como santificado por seu amor recusaram chorar sobre desgraças estranhas?

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Não Julgues Segundo a Soma

Não hás-de julgar segundo a soma. Vens-me dizer que não há nada a esperar daqueles acolá. São grosseria, gosto do lucro, egoísmo, ausência de coragem, fealdade. Mas se me podes falar assim das pedras, as quais são rudeza, peso morno e espessura, já o não podes daquilo que tiras das pedras: estátua ou templo. Quase nunca vi o ser comportar-se como o teriam feito prever as suas partes. Se pegares em vizinhos à parte, virás a concluir que cada um deles odeia a guerra e não está disposto a abandonar o lar, porque ama os filhos e a esposa e as refeições de aniversário; nem a derramar o sangue, porque é bom, dá de comer ao cão e faz carícias ao burro, nem a roubar outrem, pois tu bem vês que ele apenas preza a sua própria casa e puxa o lustro às suas madeiras e manda pintar as paredes e perfuma o jardim de flores.
E dir-me-ás: «Eles representam no mundo o amor à paz…» No entanto, o império deles não passa de uma grande terrina onde se vai cozendo a guerra. E a bondade deles e a doçura deles pelo animal ferido e a emoção deles à vista de flores não passam de ingrediente de uma magia que prepara o tilintar das armas,

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Soneto IV – A Uma Senhora

Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade ímpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tão docemente.

Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão sombria
Operou-se um milagre de repente.

A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofício arrependida!

Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glória um — bravo — deu.

A Arte da Recordação

A memória é não-mediada, e o que vem em seu auxílio vem directamente; a recordação é sempre reflectida. É por isso que recordar é uma arte. Como Temístocles, em vez de lembrar, desejo poder esquecer; porém, recordar e esquecer não são opostos. Não é fácil a arte de recordar, porque a recordação, no momento em que é preparada, pode modificar-se, enquanto a memória se limita a flutuar entre a lembrança certa e a lembrança errada. Por exemplo, o que é a saudade? É vir à recordação algo que está na memória. A saudade gera-se simplesmente pelo facto de se estar ausente. Arte seria conseguir sentir-se saudade sem se estar ausente. Para tanto é preciso estar-se treinado em matéria de ilusão. Viver numa ilusão, em que o crepúsculo é contínuo e nunca se faz dia, ou alguém ver-se reflectido numa ilusão, não é tão difícil como alguém reflectir-se para dentro de uma ilusão e ser capaz de deixá-la agir sobre si, com todo o poder que é o da ilusão, apesar de se ter pleno conhecimento disso. A magia de trazer até si o passado não é tão difícil como a de fazer desaparecer o que está presente em benefício da recordação.

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O Sonho Febril da Realidade

A verdade acerca do mundo, disse ele, é que tudo é possível. Não fosse o caso de vocês se terem habituado desde a nascença a ver tudo aquilo que vos rodeia, esvaziando assim as coisas da sua estranheza, e a realidade surgiria aos vossos olhos tal como é, um truque de magia num número de ilusionismo, um sonho febril, um transe povoado de quimeras sem analogia nem precedente imaginável, um carnaval itinerante, um espectáculo de feira migratório cujo derradeiro destino, depois de montar a tenda tantas e tantas vezes em tantos baldios enlameados, é tão indescritível e calamitoso que o espírito humano não consegue sequer concebê-lo.
O universo não é uma coisa limitada e a ordem que o rege não tem peias que, tolhendo-lhe os desígnios, a forcem a repetir noutro lugar qualquer o que já existe num dado lugar. Mesmo neste mundo, existem mais coisas que escapam ao nosso conhecimento do que aquelas que conhecemos e a ordem que os nossos olhos vêem na criação é a ordem que nós lá pusemos, qual fio num labirinto, para não nos perdermos. É que a existência tem a sua própria ordem e essa nenhum espírito humano consegue abarcar, sendo esse espírito apenas mais um facto entre tantos outros.

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