Querer Ă© Poder
Querer alguĂ©m, ou alguma coisa, Ă© muito fácil. Mesmo assim, olhar e sentirmo-nos querer, sem pensar no que estamos a fazer, Ă© uma coisa mais bonita do que se diz. Antes de vermos a pessoa, ou a coisa, nĂŁo sabĂamos que estávamos tĂŁo insatisfeitos. Porque nĂŁo estávamos. Mas, de repente, vemo-la e assalta-nos a falta enorme que ela nos faz. Para nĂŁo falar naquela que nos fez e para sempre há-de fazer. Como foi possĂvel viver sem ela? Foi uma obscenidade. Querer Ă© descobrir faltas secretas, ou inventá-las na magia do momento. NĂŁo há surpresa maior.
O que Ă© bonito no querer Ă© sentirmo-nos subitamente incompletos sem a coisa que queremos. Quanto mais bela ela nos parece, mais feios nos sentimos. Parte da força da nossa vontade vem da força com que se sente que ela nunca poderia querer-nos como nĂłs a queremos. Querer Ă© sempre a humilhação sublime de quem quer. Por que razĂŁo nĂŁo nos sentimos inteiros quando queremos? É porque a outra pessoa, sem querer, levou a parte melhor que havia em nĂłs, aquela que nos faz mais falta. E a parte de nĂłs que olha por nĂłs e que nos reconcilia connosco. Quanto mais queremos outra pessoa, menos nos queremos a nĂłs…
Querer Ă© mais forte que desejar, pelo menos na nossa lĂngua. Querer Ă© querer ter, Ă© «ter de ter». Querer tem mesmo de ser. Na frase felicĂssima que os Portugueses usam, «o que tem de ser tem muita força». Desejar tem menos. E condicional. Quem deseja, desejaria. Quem deseja, gostaria. Seria bom poder ter o que se deseja, mas o que se deseja nĂŁo dá vontade de reter, se calhar porque sĂŁo muitas as coisas que se desejam e nĂŁo se pode ter todas ao mesmo tempo.
Querer é querer ter e guardar, é uma vontade de propriedade; enquanto desejar é querer conhecer e gozar, é uma vontade de posse. O querer diminui-nos, mas o desejar não. Sabemos que somos completos quando desejamos — desejamos alguém de igual para igual. Quando queremos é diferente — queremos alguém com a inferioridade de quem se sente incapacitado diante de quem parece omnipotente. O desejo é democrático, mas o querer é fascista.