Passagens sobre LĂ­ngua

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A Serenidade

A serenidade nĂŁo Ă© feita nem de troça nem de narcisismo, Ă© conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto Ă  borda dos grandes fundos e de todos os abismos; Ă© uma virtude dos santos e dos cavaleiros, Ă© indestrutĂ­vel e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substĂąncia de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificĂȘncias e os terrores da vida, o mĂșsico que lhes dĂĄ os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lĂĄgrimas e emoçÔes dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitĂĄrio, e o mĂșsico um sonhador melancĂłlico: isso nĂŁo impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dĂŁo, nĂŁo sĂŁo mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, Ă© uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, lĂ­nguas inteiras, procuram explorar as profundezas cĂłsmicas em mitos, cosmogonias, religiĂ”es, o Ășltimo e supremo termo que poderĂŁo atingir Ă© essa serenidade.

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A Palavra

Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonĂąncia.
O seu olhar Ă© um sonho porque Ă© um sopro indivisĂ­vel
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cĂ­lios.

Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em cĂ­rculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma lĂ­ngua na lĂ­ngua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.

O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nĂ­vel do universo.
Na sua simplicidade terrestre hĂĄ um ardor soberano.

Todo o paĂ­s escravizado por outro ou outros paĂ­ses, tem na mĂŁo, enquanto souber ou puder conservar a prĂłpria lĂ­ngua, a chave da prisĂŁo onde jaz.

Diga-me com quem andas e dir-te-ei [que lĂ­ngua, a nossa!] quem Ă©s. Pois Ă©: Judas andava com Cristo. Cristo andava com Judas

As Palavras de Amor

Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.

Deixemos que o silĂȘncio dĂȘ sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na lĂ­ngua da semente?

Vida Toda Linguagem

Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.

Vida toda linguagem,
hĂĄ entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do perĂ­odo, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em lĂ­ngua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectĂłrias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocĂĄbulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazĂȘ-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
Ă  vida que Ă© perfeita
lĂ­ngua
eterna.

LĂșcia

(Alfred de Musset)

NĂłs estĂĄvamos sĂłs; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂȘnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂșrio; parecia a nota
De aura longĂ­nqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂșpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂ­amos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bĂĄlsamos;
A vĂĄrzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sĂłs estĂĄvamos
E tĂ­nhamos quinze anos!

LĂșcia era loura e pĂĄlida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!

Nem um som despertava em nossos lĂĄbios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂ­bia sombra dormia-lhe na fronte,

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O Lutador

Buscou no amor o bĂĄlsamo da vida,
NĂŁo encontrou senĂŁo veneno e morte.
Levantou no deserto a roca-forte
Do egoĂ­smo, e a roca em mar foi submergida!

Depois de muita pena e muita lida,
De espantoso caçar de toda sorte,
Venceu o monstro de desmedido porte
– A ululante Quimera espavorida!

Quando morreu, lĂ­nguas de sangue ardente,
Aleluias de fogo acometiam,
Tomavam todo o céu de lado a lado.

E longamente, indefinidamente,
Como um coro de ventos sacudiam
Seu grande coração transverberado!

A lĂ­ngua das mulheres Ă© a sua espada e tĂȘm o cuidado de a nĂŁo deixarem enferrujar.

Escreve claro quem concebe ou imagina claro; com vigor, quem com vigor pensa, por ser a lĂ­ngua um vestido transparente do pensamento.

Os meus escritores de referĂȘncia sĂŁo Montaigne, Cervantes, o padre AntĂłnio Vieira, Gogol e Kafka. O padre AntĂłnio Vieira era um jesuĂ­ta do sĂ©culo XVII. Nunca se escreveu na lĂ­ngua portuguesa com tanta beleza como ele o fez.

Excesso de VolĂșpia

A volĂșpia carnal Ă© uma experiĂȘncia dos sentidos, anĂĄloga ao simples olhar ou Ă  simples sensação com que um belo fruto enche a lĂ­ngua. É uma grande experiĂȘncia sem fim que nos Ă© dada; um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de todo o saber. O mal nĂŁo Ă© que nĂłs a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiĂȘncia, malbaratando-a, fazendo dela um mero estĂ­mulo para os momentos cansados da sua existĂȘncia.

Nossa LĂ­ngua

para o poeta Antoniel Campos*

O doce som de mel que sai da boca
na lĂ­ngua da saudade e do crepĂșsculo
vem adoçando o mar de conchas ocas
em mansa voz domando tons maiĂșsculos.

É bela fiandeira em sua roca
tecendo a fala forte com seu mĂșsculo
na hora que Ă© preciso sai da toca
como fera que sabe o tomo e o opĂșsculo.

Dizer e maldizer do mel ao fel
Ă© fado de cantigas tĂŁo antigas
desde CamÔes, Bandeira a Antoniel,
este jovem poeta que se abriga

na lĂ­ngua portuguesa em verso e fala
nau de calado ao mar que nĂŁo se cala.

* “filiu brasilis, mater portucale,
Que em outra lĂ­ngua a minha lĂ­ngua cale.”

O Jardim

Consideremos o jardim, mundo de pequenas coisas,
calhaus, pétalas, folhas, dedos, línguas, sementes.
SequĂȘncias de convergĂȘncias e divergĂȘncias,
ordem e dispersĂ”es, transparĂȘncia de estruturas,
pausas de areia e de ĂĄgua, fĂĄbulas minĂșsculas.

Geometria que respira errante e ritmada,
varandas verdes, direcçÔes de primavera,
ramos em que se regressa ao espaço azul,
curvas vagarosas, pulsaçÔes de uma ordem
composta pelo vento em sinuosas palmas.

Um murmĂșrio de omissĂ”es, um cĂąntico do Ăłcio.
Eu vou contigo, voz silenciosa, voz serena.
Sou uma pequena folha na felicidade do ar.
Durmo desperto, sigo estes meandros volĂșveis.
É aqui, Ă© aqui que se renova a luz.