Há em Toda a Beleza uma Amargura
Há em toda a beleza uma amargura
secreta e confundida que Ă© latente
ambĂgua indecifrável duplamente
oculta a si e a quem na olhar obscuraNĂŁo fica igual aos vivos no que dura
e a nĂŁo pode entender qualquer vivente
qual no cabelo orvalho ou brisa rente
quanto mais perto mais se desfiguraFicando como Helena Ă luz do ocaso
a lĂngua dos dois reinos nĂŁo lhe Ă© azo
senão de apartar tranças ofuscanteMas à tua beleza não foi dado
qual morte a abrir teu juvenil estado
crescer e nomear-se em cada instante?Tradução de Vasco Graça Moura
Passagens sobre LĂngua
326 resultadosA lĂngua da gente Ă© correia da pele.
As palavras de uma lĂngua, caro senhor Gorelli,
sĂŁo uma paleta de cores,
que tanto podem fazer o quadro feio, como podem fazĂŞ-lo belo,
segundo a mestria do pintor.
As lĂnguas, como as religiões, vivem de heresias.
O interesse fala todas as lĂnguas e desempenha todos os papĂ©is, mesmo o de desinteressado.
Amo-te Sempre
Amo-te sempre
com um pouco de barco e de vento
com uma humildade de mar Ă tua volta
dentro do meu corpo; com o desespero
de ser tempo;com um pouco de sol e uma fonte
adormecida na ternura.Merecer este minuto de palavras habitando
o que há sem fim no teu retrato;
Este mesmo minuto em que chegam e partem navios
– nesta mesma cidade deste
minuto, desta lĂngua, deste
romance diário dos teus olhos –(e chegarĂŁo com armas? refugiados? trigo?
partirão com noivas? missionários? guerras? discursos?)Merecer a densa beleza do teu corpo
que tem água e ternura, células, penumbra,
que dormiu no berço, dormiu na memória,
que teve soluços, febre, e absurdos desejos
maiores que os braços,merecer os dias subindo das florestas – e vĂŞm
banhar-se, lentos, nos teus olhos…Merecer a Igreja, o ajoelhar das palavras,
entre estes cinemas visitando, em duas horas, a alma,
estes eléctricos parando atrás do infinito
para subirem os namorados, a viĂşva, o cobrador da luz, a
costureira
entre estes homens que ganham dinheiro,
Para mim, ser-me-ia impossĂvel viver fora de Lisboa. Falta-me a lĂngua, falta-me este meu povo, feio, pequenino, com mau gosto, malcriado, nĂŁo sei quĂŞ, mas do qual tenho umas saudades loucas quando estou no meio de gente limpa.
A lua silenciosa passa ignorando os latidos; Assim os homens probos, calmos e honrados sorriem dos insultos e das lĂnguas hipĂłcritas.
A Serenidade
A serenidade nĂŁo Ă© feita nem de troça nem de narcisismo, Ă© conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto Ă borda dos grandes fundos e de todos os abismos; Ă© uma virtude dos santos e dos cavaleiros, Ă© indestrutĂvel e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificĂŞncias e os terrores da vida, o mĂşsico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o mĂşsico um sonhador melancĂłlico: isso nĂŁo impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dĂŁo, nĂŁo sĂŁo mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, Ă© uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, lĂnguas inteiras, procuram explorar as profundezas cĂłsmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o Ăşltimo e supremo termo que poderĂŁo atingir Ă© essa serenidade.
A Palavra
Eleva-se entre a espuma, verde e cristalina
e a alegria aviva-se em redonda ressonância.
O seu olhar Ă© um sonho porque Ă© um sopro indivisĂvel
que reconhece e inventa a pluralidade delicada.
Ao longe e ao perto o horizonte treme entre os seus cĂlios.Ela encanta-se. Adere, coincide com o ser mesmo
da coisa nomeada. O rosto da terra se renova.
Ela aflui em cĂrculos desagregando, construindo.
Um ouvido desperta no ouvido, uma lĂngua na lĂngua.
Sobre si enrola o anel nupcial do universo.O gérmen amadurece no seu corpo nascente.
Nas palavras que diz pulsa o desejo do mundo.
Move-se aqui e agora entre contornos vivos.
Ignora, esquece, sabe, vive ao nĂvel do universo.
Na sua simplicidade terrestre há um ardor soberano.
A lĂngua tem poder de vida e de morte.
Todo o paĂs escravizado por outro ou outros paĂses, tem na mĂŁo, enquanto souber ou puder conservar a prĂłpria lĂngua, a chave da prisĂŁo onde jaz.
Diga-me com quem andas e dir-te-ei [que lĂngua, a nossa!] quem Ă©s. Pois Ă©: Judas andava com Cristo. Cristo andava com Judas
As Palavras de Amor
Esqueçamos as palavras, as palavras:
As ternas, caprichosas, violentas,
As suaves de mel, as obscenas,
As de febre, as famintas e sedentas.Deixemos que o silĂŞncio dĂŞ sentido
Ao pulsar do meu sangue no teu ventre:
Que palavra ou discurso poderia
Dizer amar na lĂngua da semente?
Vida Toda Linguagem
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjectivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do perĂodo, talvez verso,
talvez interjectivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em lĂngua compassiva
o sangue que criança espalhará — oh metáfora activa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sémen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajectĂłrias.
Vida toda linguagem —
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
e deus talvez, e nada.
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, contra
[a chuva,
tenta fazê-la eterna — como se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
Ă vida que Ă© perfeita
lĂngua
eterna.
LĂşcia
(Alfred de Musset)
Nós estávamos sós; era de noite;
Ela curvara a fronte, e a mĂŁo formosa,
Na embriaguez da cisma,
TĂŞnue deixava errar sobre o teclado;
Era um murmĂşrio; parecia a nota
De aura longĂnqua a resvalar nas balsas
E temendo acordar a ave no bosque;
Em torno respiravam as boninas
Das noites belas as volĂşpias mornas;
Do parque os castanheiros e os carvalhos
Brando embalavam orvalhados ramos;
OuvĂamos a noite, entre-fechada,
A rasgada janela
Deixava entrar da primavera os bálsamos;
A várzea estava erma e o vento mudo;
Na embriaguez da cisma a sós estávamos
E tĂnhamos quinze anos!LĂşcia era loura e pálida;
Nunca o mais puro azul de um céu profundo
Em olhos mais suaves refletiu-se.
Eu me perdia na beleza dela,
E aquele amor com que eu a amava – e tanto ! –
Era assim de um irmĂŁo o afeto casto,
Tanto pudor nessa criatura havia!Nem um som despertava em nossos lábios;
Ela deixou as suas mĂŁos nas minhas;
TĂbia sombra dormia-lhe na fronte,
LĂngua ajuizada Ă©, sempre, moderada.
Falamos na nossa prĂłpria lĂngua e escrevemos numa lĂngua estrangeira.
Quem aprende uma nova lĂngua adquire uma alma nova.
Na lĂngua que pior falamos menos podemos sentir.