As Leis da Consciência Nascem do Hábito
As leis da consciência, que dizemos nascerem naturalmente, nascem do hábito; toda a pessoa, venerando intimamente as ideias e costumes aprovados e aceites ao seu redor, não pode desligar-se deles sem remorso nem se aplicar neles sem aplauso.
(…) Mas o principal efeito do seu poder é apoderar-se de nós e prender-nos nas suas garras de tal forma que mal nos conseguimos libertar do seu jugo e voltar a nós para reflectirmos e raciocinarmos sobre as suas ordens. Na verdade, porque o ingerimos com o leite do nosso nascimento, e porque a face do mundo se apresenta nesse estado ao nosso primeiro olhar, parece que nascemos para seguir esse procedimento. E as ideias comuns que vemos ser respeitadas ao nosso redor e infundidas na nossa alma pela semente dos nossos pais parecem ser as gerais e naturais.
Disso advém que o que está fora dos gonzos do costume, julgamo-lo fora dos gonzos da razão – Deus sabe quão desarrazoadamente, quase sempre.
Textos sobre Sempre
1119 resultadosO Que Procuro na Literatura
Que é que eu procuro na literatura? Que é que me arrasta para este combate interminável e sempre votado ao fracasso? Como é imbecil pensar-se que se escreve para se «ter nome» e as vantagens que nisso vêm. Espera-se decerto sempre fazer melhor, mas só porque sempre se falhou. Assim se sabe também que se vai falhar de novo. Não se escreve para ninguém, o problema decide-se apenas entre nós e nós. Mas há um lugar inatingível e cada nova tentativa é uma tentativa para o alcançar.
O desejo que nos anima é o de fixar, segurar pela palavra o que entrevemos e se nos furta. Julgamos às vezes que o atingimos, mas logo se sabe que não. Miragem perene de uma presença luminosa, de um absoluto de estarmos inundados dessa evidência, encantamento que nos deslumbra no instante e nesse instante se dissolve.
O que me arrasta nesta luta sem fim é o aceno de uma plenitude de ser, a integração perfeita do que sou no milagre que me entreluz, a transfiguração de mim e do mundo no que fulgura e vai morrer.
Recaído de cada vez no mais baixo, na grossa naturalidade de que sou feito,
A Desgraça do Sonhador
E vocês sabem o que é um sonhador, cavalheiros? É um pecado personificado, uma tragédia misteriosa, escura e selvagem, com todos os seus horrores frenéticos, catástrofes, devaneios e fins infelizes… um sonhador é sempre um tipo difícil de pessoa porque ele é enormemente imprevisível: umas vezes muito alegre, às vezes muito triste, às vezes rude, noutras muito compreensivo e enternecedor, num momento um egoísta e noutro capaz dos mais honoráveis sentimentos… não é uma vida assim uma tragédia?
Cada um Tem o Seu Conceito de Felicidade
Muita gente só é capaz de uma felicidade reduzida: o facto de a sua sensatez não poder proporcionar-lhes mais felicidade não constitui um argumento contra ela, não mais do que se deve ver um argumento contra a medicina no facto de serem algumas pessoas incuráveis e outras sempre doentias. Que cada um possa ter a hipótese de encontrar justamente a concepção da vida que lhe permita realizar o seu máximo de felicidade: isso não impede necessariamente que a sua vida permaneça lastimável e pouco invejável.
A Minha Infelicidade
A evolução foi simples. Quando eu ainda estava contente queria estar descontente, e, com todos os meios que o tempo e a tradição me ofereciam, lancei-me no descontentamento — e então queria outra vez voltar a trás. Assim, fui sempre descontente, até com o meu contentamento. Estranho, como uma coisa a fingir, se usada sistematicamente, se pode tornar realidade. Jogos infantis (embora eu tivesse bem consciência de que eles eram infantis) marcaram o começo do meu declínio intelectual. Cultivei deliberadamente um tique facial, por exemplo, ou então andava pelo Graben com os braços cruzados atrás da cabeça. Um jogo repugnantemente infantil mas com êxito (o meu trabalho literário começou da mesma maneira; só mais tarde, durante a sua evolução, é que veio uma paragem, infelizmente). Se é possível forçar assim a infelicidade sobre nós, é possível forçar o que quer que seja sobre nós. Uma grande parte da minha evolução parece contradizer-me, na medida em que contradiz a minha natureza pensar nisso, não posso afiançar que os primeiros laivos da minha infelicidade eram já uma necessidade interior; eles devem de facto ter uma necessidade, mas não uma necessidade interior — eles lançaram-se sobre mim como um enxame de moscas e poderiam ter sido afastados de mim com a mesma facilidade.
A Livre Discussão dos Problemas
A nossa orientação tem sido sempre contra o reacender de lutas políticas, através de cuja violência e trágicos desfechos vemos outros procurarem a sua felicidade. A política só em sentido deturpado se pode confundir com agitação estéril, referver de ódios, estadear de ambições pessoais ou de grupos para a conquista e usufruição de altos lugares. Nada do que afirmo se opõe evidentemente — vê-se que não se tem oposto — à livre discussão dos problemas. Mas quer dizer que a consciência pública se há-de sobretudo formar na reflexão de argumentos sólidos, sobre o conhecimento do factos certos e bem interpretados, à luz de posições desinteressadas: não na excitação das paixões e na adulteração da verdade.
A Importância dos Princípios
Entre os homens, alguns há que possuem naturalmente um excelente carácter e que assimilam sem necessidade de longa instrução os princípios tradicionais, que abraçam a via da moralidade desde o primeiro momento em que dela ouvem falar; do meio destes é que surgem aqueles génios que concitam em si toda a gama de virtudes, que produzem eles mesmos virtudes. Mas aos outros, àqueles que têm o espírito embotado, obtuso ou dominado por tradições erróneas, a esses há que raspar a ferrugem que têm na alma. Mais ainda: se transmitirmos os preceitos básicos da filosofia aos primeiros, rapidamente eles atingirão o mais alto nível, pois estão naturalmente inclinados ao bem; se o fizermos aos outros, os de natureza mais fraca, ajudá-los-emos a libertarem-se das suas convicções erradas. Por aqui podes ver como são necessários os princípios básicos. Temos instintos em nós que nos fazem indolentes ante certas coisas, e atrevidos perante outras; ora, nem este atrevimento nem aquela indolência podem ser eliminados se primeiro não removermos as respectivas causas, ou seja, a admiração infundada ou o receio infundado.
Enquanto tivermos em nós esses instintos, bem poderás dizer: “estes são os teus deveres para com teu pai, ou para com os filhos,
Ser é Escolher-se
Para a realidade humana, ser é escolher-se: nada lhe vem de fora, nem tão-pouco de dentro, que possa receber ou aceitar. Está inteiramente abandonada, sem auxílio de nenhuma espécie, à insustentável necessidade de se fazer ser até ao mais ínfimo pormenor. Assim, a liberdade não é um ser: é o ser do homem, quer dizer, o seu nada de ser. (…) O homem não pode ser ora livre, ora escravo; ele é inteiramente e sempre livre, ou não é.
O Problema da Sinceridade do Poeta
O poeta superior diz o que efectivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir. Nada disto tem que ver com a sinceridade. Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões. A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta. Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que dissessem o que verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam. Há alguns, muito grandes, que nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer. Quando muito há, em certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge; pois a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare. Há apenas uma reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e estruturalmente factício;
Não Tenho Rancores nem Ódios
Pertenço a uma geração que ainda está por vir, cuja alma não conhece já, realmente, a sinceridade e os sentimentos sociais. Por isso não compreendo como é que uma criatura fica desqualificada, nem como é que ela o sente. É oca de sentido, para mim, toda essa (…) das conveniências sociais. Não sinto o que é honra, vergonha, dignidade. São para mim, como para os do meu alto nível nervoso, palavras de uma língua estrangeira, como um som anónimo apenas.
Ao dizerem que me desqualificaram, eu não percebo senão que se fala de mim, mas o sentido da frase escapa-me. Assisto ao que me acontece, de longe, desprendidamente, sorrindo ligeiramente das coisas que acontecem na vida. Hoje, ainda ninguém sente isto; mas um dia virá quem o possa perceber.
Procurei sempre ser espectador da vida, sem me misturar nela. Assim, a isto que se passa comigo, eu assisto como um estranho; salvo que tiro dos pobres acontecimentos que me cercam a volúpia suave de (…).Não tenho rancor nenhum a quem provocou isto. Eu não tenho rancores nem ódios. Esses sentimentos pertencem àqueles que têm uma opinião, ou uma profissão ou um objectivo na vida. Eu não tenho nada dessas coisas.
O Medo de Magoar os Outros
O medo de magoar os outros é uma invenção da nossa mente. É o pior dos dois mundos: nem tu vives em liberdade de expressão, nem os outros sabem o que te passa no coração e na cabeça acerca deles. Já pensaste que a verbalização daquilo que sentes pode ser tudo o que a outra pessoa também sente mas não é capaz de dizer? Já idealizaste que aquilo que sentes pode ser a tomada de consciência que o outro precisa para reforçar aquilo em que já acredita e mudar de comportamento? Já imaginaste que a materialização daquilo que sabes a teu respeito pode ser profundamente inspirador para quem te ouça ou tenha o privilégio de te ver em ação? Quem te diz a ti que empregar as palavras certas, as palavras que carregam a tua verdade, olhos nos olhos do outro não é algo de absolutamente vantajoso para ambas as partes? Quem? E sim, ainda que possa doer um pouco. A verdade dói quase sempre. O crescimento dos dentes também, certo? E no entanto é vital, não é? Assim se passa com a mente. A evolução da mente de mentirosa para potenciadora passa pela dor, por ouvir certas verdades a nosso respeito,
A Procura da Sabedoria
Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam «é por ali» ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado.
Nunca Confiar Demais
Nenhum homem acredita piamente em nenhum outro homem. Pode-se acreditar piamente numa ideia, mas não num homem. No mais alto grau de confiança que ele pode despertar, haverá sempre o aroma da dúvida – uma sensação meio instintiva e meio lógica de que, no fim das contas, o vigarista deve ter um ás escondido na manga. Esta dúvida, como parece óbvio, é sempre mais do que justificada, porque ainda não nasceu o homem merecedor de confiança ilimitada – a sua traição, no máximo, espera apenas por uma tentação suficiente. O problema do mundo não é o de que os homens sejam muito suspeitos neste sentido, mas o de que tendem a ser confiantes demais – e de que ainda confiam demais em outros homens, mesmo depois de amargas experiências. Acredito que as mulheres sejam sabiamente menos sentimentais, tanto nisto como em outras coisas. Nenhuma mulher casada põe a mão no fogo por seu marido, nem age com se confiasse nele. A sua principal certeza assemelha-se à de um batedor de carteiras: a de que o guarda que o apanhou poderá ser subornado.
Imitar o Melhor Exemplo
Caminhado os homens quase sempre pelos caminhos já por outros percorridos, e tendendo, nas suas acções, a proceder por imitação, não podem, contudo, seguir inteiramente a mesma via nem alcançar a virtude daqueles que pretendem imitar. Por tal motivo, um homem avisado deve procurar seguir as vias percorridas por grandes homens e imitar aqueles que atingiram o mais elevado patamar de excelência, de modo que, se não pudermos igualar a sua virtude, deles vos fique, ao menos, o perfume do seu valor. É o que fazem os archeiros habilidosos, os quais, parecendo-lhes muito distante o alvo que desejam atingir, e, conhecendo bem as limitações de alcance do seu arco, fazem pontaria para um ponto muito mais alto do que o alvo, não para aí acertar com as suas flechas, mas, sim, para, com a ajuda de tão elevada mira, poderem bater o alvo pretendido.
Se a Sua Vida Acabasse Amanhã
Quando foi a última vez que se riu com um amigo ao ponto de lhe doer a cara ou deixou as crianças com uma baby-sitter e foi passar todo o fim de semana fora? Vamos diretos ao assunto: se a sua vida acabasse amanhã, o que é que lamentaria não ter feito? Se este fosse o último dia da sua vida, passava-o da forma como o está a passar hoje? Uma vez passei por um outdoor que me chamou a atenção. Dizia: «Quem morrer com mais brinquedos morre na mesma.»
Qualquer pessoa que já tenha estado perto da morte lhe dirá que no fim da vida o mais provável é não se lembrar das diretas que fez a trabalhar no escritório ou quanto vale a sua conta-poupança. Os pensamentos que surgem são questões do tipo «e se», como por exemplo: Onde teria chegado se tivesse realmente feito as coisas que sempre quis fazer?
O dom de decidir encarar a mortalidade sem fugir nem virar a cara é o dom de reconhecer que, pelo facto de morrermos um dia, temos de viver agora. Se vai estagnar ou se vai crescer, isso depende sempre de si — você é quem mais influencia a sua vida.
Não há Relação entre as Verdades e o Tempo
A relação das verdades com o tempo não é positiva, mas negativa, é um simples não ter que ver com o tempo em nenhum sentido, é ser por completo alheias a toda a qualificação temporal, é manter-se rigorosamente anacrónicas. Dizer, pois, que as verdades o são sempre não envolve, falando de modo rigoroso, menor impropriedade que se dissermos – para usar uma famoso exemplo trazido por Leibniz a outro propósito -, «justiça verde». O corpo ideal da justiça não oferece um encaixe nem um orifício onde possa enganchar-se o atributo «verdosidade», e todas as vezes em que pretendamos inseri-lo naquele, outras tantas o veremos resvalar sobre a justiça – como sobre uma área polida. A nossa vontade de unir estes dois conceitos fracassa, e, ao dizê-los juntos, permanecem obstinadamente separados, sem possível adesão nem conjugação. Não existe, pois, heterogeneidade maior que a que existe entre o modo de ser atemporal constituitivo das verdades e o modo de ser temporal do sujeito humano que as descobre e pensa, conhece ou ignora, rejeita ou esquece.
Se, não obstante, usamos essa maneira de dizer – «as verdades são-no sempre» -, é porque praticamente isto não leva a consequências erróneas: é um erro inocente e cómodo.
Aprender a Ceder
Aos sonhos, como aos pesadelos, chega sempre a hora de acordar. É essencial compreender a realidade, viver de olhos abertos, acolher a simplicidade da vida antes de querer resolver a complexidade do mundo.
Cada um de nós tem o seu lugar no mundo, talvez a ninguém caiba o do centro. Nas nossas relações com o mundo, com os outros e connosco, é mais sábio aceitar do que impor, admirar do que exibir, amar do que procurar ser amado…
Viver é aprender a ceder. A libertarmo-nos de nós mesmos. Só o nosso espírito nos pode soltar porque só ele nos aprisiona. Ser autenticamente feliz depende de uma transformação na forma de olharmos o mundo, aceitando-o sem grandes condições e agindo sem precipitações. Cedendo. Cedendo, sempre. Pois que é melhor manter um amigo do que ficar com a razão, mas sozinho. Há que abrir espaços em nós para que a serenidade que assim se alcança convide a felicidade a fazer do nosso espírito morada sua.A humildade e a simplicidade são formas de ser, não de parecer.
Um erro comum é querer ser tudo já. Nunca nada chega… e são tantas vezes as saudades a revelarem-nos o verdadeiro valor dos instantes vividos mas já passados.
Memória doutro Rio
São muito vastas as noites de insónia, quase sempre atravessadas por um rio. Quando não chove, confusamente dispo-me atrás dos amieiros e abandono-me à corrente. Sigo para o sul, que é para onde correm todos os rios, pelo menos os meus.
Um dia, numa língua de areia, avistei dois corpos que se penetravam exasperados. Fiquei aterrado: primeiro pensei que ele a estava a matar, a seguir que ambos estivessem a morrer, só depois percebi o que se passava, e o meu próprio corpo se exasperou. Quando acabaram, a mulher chorava e o homem quase lhe mijava em cima. Afastaram-se cada um para seu lado, sem trocarem palavra.
Contei o que vira a um pastor que encontrei mais abaixo. Pouco mais velho era do que eu, mas mostrou-me como o prazer não tem forçosamente que ver com a culpa.
Amizade Condicionada
A amizade é menos frequente entre pessoas azedas e entre os mais velhos, porque quanto pior for o feitio das pessoas, menor é o prazer que têm no convívio. Ora o bom feitio e o convívio social são marcas de amizade e motivos criadores de amizade. Por este motivo, os jovens depressa se tornam amigos, os velhos, não. É que não se podem tornar amigos daqueles na presença dos quais não sentem prazer; de modo semelhante se passa com os que estão sempre mal dispostos. Estes também podem ser benevolentes entre si porque desejam o bem ao outro e vão ao encontro das necessidades do outro. Contudo, não são completamente amigos uma vez que não passam juntos o dia nem sentem prazer na companhia um do outro, coisas que parecem ser marcas distintivas de amizade.
Agora, parece que não é possível ser-se amigo de muitas pessoas, pelo menos no sentido pleno da amizade, do mesmo modo que não é possível amar ao mesmo tempo muitas pessoas (tal parece que, na realidade, seria excessivo; e o amor costuma nascer naturalmente em relação a uma única pessoa), porque não é fácil de agradar de modo totalmente satisfatório a muitos ao mesmo tempo.
Os Dois Infinitos
Duas coisas enchem a alma de admiração e de respeito sempre renovados e que aumentam à medida que o pensamento mais vezes se concentra nelas: acima de nós, o céu estrelado; no nosso íntimo, a lei moral. Não é necessário buscá-las e adivinhá-las como se estivessem ofuscadas por nuvens ou situadas em região inacessível, para além do meu horizonte; vejo-as ante mim e relaciono-as imediatamente com a consciência da minha existência. A primeira, a partir do lugar que ocupo no mundo exterior, estende a relação do meu ser com as coisas sensíveis a todo esse imenso espaço onde os mundos se sucedem aos mundos e os sistemas aos sistemas e a toda a duração ilimitada dos seus movimentos periódicos. A segunda parte do meu invisível eu, da minha personalidade e do meu posto num mundo que possui a verdadeira infinitude, mas no qual o entendimento mal pode penetrar e ao qual reconheço estar vinculado por uma relação não apenas contingente, mas universal e necessária (relação que também alargo a todos esses mundos visíveis).
Numa, a visão de uma infinidade de mundos quase aniquila a minha importância, na medida em que me considero uma criatura animal que, depois de ter (não se sabe como) gozado a vida durante um breve lapso de tempo,