Poemas sobre Horas de Fernando Pessoa

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Poemas de horas de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Vaga, no Azul Amplo Solta

Vaga, no azul amplo solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado nĂŁo volta.
NĂŁo Ă© o que estou chorando.

O que choro Ă© diferente.
Entra mais na alma da alma.
Mas como, no céu sem gente,
A nuvem flutua calma.

E isto lembra uma tristeza
E a lembrança é que entristece,
Dou Ă  saudade a riqueza
De emoção que a hora tece.

Mas, em verdade, o que chora
Na minha amarga ansiedade
Mais alto que a nuvem mora,
Estå para além da saudade.

NĂŁo sei o que Ă© nem consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que minto
Dor que a minha alma tem.

De Quem Ă© o Olhar

De quem Ă© o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
NĂŁo os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?

Às vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim prĂłprio mesmo
Em alma mal existo,

Toma um outro sentido
Em mim o Universo —
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.

Se acenderem as velas
E nĂŁo houver apenas
A vaga luz de fora —
NĂŁo sei que candeeiro
Aceso onde na rua —
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que Ă© minha vida agora!

Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido Ă© nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.

Esqueço-me das Horas Transviadas

PASSOS DA CRUZ

Esqueço-me das horas transviadas
o Outono mora mĂĄgoas nos outeiros
E pĂ”e um roxo vago nos ribeiros…
HĂłstia de assombro a alma, e toda estradas…

Aconteceu-me esta paisagem, fadas
De sepulcros a orgĂ­aco… Trigueiros
Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro seqĂŒestrando a lucidez
Um espasmo apagado em Ăłdio Ă  Ăąnsia
PÔe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos
E a cor do outono Ă© um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonĂąncia…

Mensagem – Mar PortuguĂȘs

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, jĂĄ nĂŁo separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te portuguĂȘs.
Do mar e nĂłs em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em ĂĄrvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, hĂĄ aves,

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As Horas pela Alameda

As horas pela alameda
Arrastam vestes de seda,

Vestes de seda sonhada
Pela alameda alongada

Sob o azular do luar…
E ouve-se no ar a expirar –

A expirar mas nunca expira –
Uma flauta que delira,

Que é mais a idéia de ouvi-la
Que ouvi-la quase tranquila

Pelo ar a ondear e a ir…
SilĂȘncio a tremeluzir…

Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer

Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.

Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.

TĂȘnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂșde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.

Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.

InĂștil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!

Em Horas inda Louras, Lindas

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno Ă  tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde jĂĄ nĂŁo torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E hĂĄ nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos….
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

Chove ? Nenhuma Chuva Cai…

Chove? Nenhuma chuva cai…
EntĂŁo onde Ă© que eu sinto um dia
Em que ruĂ­do da chuva atrai
A minha inĂștil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e nĂŁo posso,
Ó cĂ©u azul, chamar-te meu…

E o escuro ruĂ­do da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser Ă© a invisĂ­vel curva
Traçada pelo som do vento…

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
HĂĄ sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em Ăłdio Ă  Ăąnsia
PÔe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,

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Sonho. NĂŁo Sei quem Sou

Sonho. NĂŁo sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma nĂŁo tem alma.

Se existo Ă© um erro eu o saber. Se acordo
Parece que erro. Sinto que nĂŁo sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
NĂŁo tenho ser nem lei.

Lapso da consciĂȘncia entre ilusĂ”es,
Fantasmas me limitam e me contĂȘm.
Dorme insciente de alheios coraçÔes,
Coração de ninguém.

O Andaime

O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi sĂł a vida mentida
De um futuro imaginado!

Aqui Ă  beira do rio
Sossego sem ter razĂŁo.
Este seu correr vazio
Figura, anĂŽnimo e frio,
A vida vivida em vĂŁo.

A ‘sp’rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha ‘s’prança,
Rola mais que o meu desejo.

Ondas do rio, tĂŁo leves
Que nĂŁo sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam — verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.

Gastei tudo que nĂŁo tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusĂŁo, que me mantinha,
SĂł no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

Leve som das ĂĄguas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava jĂĄ perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

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Elas SĂŁo Vaporosas

Elas sĂŁo vaporosas,
PĂĄlidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar…

VĂȘm, aĂ©reas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos…
Chora no som dos repuxos
O ritmo que hĂĄ nos seus vultos…

Passam e agitam a brisa…
PĂĄlida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em aurĂ©ola Ă  hora…

Passam nos ritmos da sombra…
Ora Ă© uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene…

E assim vĂŁo indo, delindo
Seu perfil Ășnico e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lĂ­vido e frio…

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longĂ­nquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
PĂĄlido pĂĄlio lunar …