Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me às vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
Não há muitos que a saibam reflectir.A minh’alma nostálgica de além,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a fôrça de sumir também.Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que são para o artista? Coisa alguma.
O que devemos é saltar na bruma,
Correr no azul á busca da beleza.É subir, é subir àlem dos céus
Que as nossas almas só acumularam,
E prostrados resar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d’irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.É suscitar côres endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d’alma ampliada,
Poemas sobre Horizonte de Mário de Sá-Carneiro
2 resultadosAngulo
Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar ôco de certezas mortas? –
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construido…– Barcaças dos meus impetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de Segrêdo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao rôxo, a que rochêdo?…– Ó nau de festa, ó ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos d’alquimia?…. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Chegaram à baía os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar não se correram…
As bandeiras velaram-se, orações…Detive-me na ponte, debruçado,
Mas a ponte era falsa – e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar á sua beira…–