NĂŁo te Fies do Tempo nem da Eternidade
NĂŁo te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te vejo!NĂŁo demores tĂŁo longe, em lugar tĂŁo secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anĂŞmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo…
Apressa-te, amor, que amanhĂŁ eu morro,
que amanhĂŁ morro e nĂŁo te digo…
Poemas sobre Lugares de CecĂlia Meireles
5 resultadosDe Longe Te Hei-de Amar
De longe te hei-de amar
– da tranquila distância
em que o amor Ă© saudade
e o desejo, constância.Do divino lugar
onde o bem da existĂŞncia
Ă© ser eternidade
e parecer ausĂŞncia.Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violĂŞncia,
cumpre a sua verdade,
alheia Ă transparĂŞncia.
Personagem
Teu nome Ă© quase indiferente
e nem teu rosto já me inquieta.
A arte de amar Ă© exactamente
a de se ser poeta.Para pensar em ti, me basta
o prĂłprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.O lugar da tua presença
Ă© um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto Ă© que pensa
o olhar de todas as saudades.Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silĂŞncio, obscuro, disperso.Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existência,
tudo – o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.Eu só conheço o que não vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.
Guerra
Tanto Ă© o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto Ă© o sangue
que atĂ© a lua se levanta horrĂvel,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta Ă© a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estĂŁo por ali como tábuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já nĂŁo pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta Ă© a morte
que sĂł as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nĂłs e vĂłs, imunes,
chorando,
Gargalhada
Hornem vulgar! Homem de coração mesquinho!
Eu te quero ensinar a arte sublime de rir.
Dobra essa orelha grosseira, e escuta
o ritmo e o som da minha gargalhada:Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!NĂŁo vĂŞs?
É preciso jogar por escadas de mármore baixelas de ouro.
Rebentar colares, partir espelhos, quebrar cristais,
vergar a lâmina das espadas e despedaçar estátuas,
destruir as lâmpadas, abater cúpulas,
e atirar para longe os pandeiros e as liras…O riso magnĂfico Ă© um trecho dessa mĂşsica desvairada.
Mas Ă© preciso ter baixelas de ouro,
compreendes?
— e colares, e espelhos, e espadas e estátuas.
E as lâmpadas, Deus do céu!
E os pandeiros ágeis e as liras sonoras e trĂ©mulas…Escuta bem:
Ah! Ah! Ah! Ah!
Ah! Ah! Ah! Ah!Só de três lugares nasceu até hoje esta música heróica:
do céu que venta,
do mar que dança,
e de mim.