Ă€ MemĂłria de Minha MĂŁe

MĂŁe! Morreste!
Agora é tão tarde para te dizer as palavras necessárias.
O relógio bateu duas e meia. É noite escura
E a dor galopa surdamente no meu peito.
Teu corpo jaz ainda morno, já sem interesse para ti.
Por tua causa, amanhĂŁ, movimentar-se-ĂŁo pessoas
Diversas
Que nĂŁo te conheceram.
Serão preenchidos papéis: requerimentos, boletins;
Pás ou picaretas (nem eu sei) ferirão a terra
E sobre ela erguerĂŁo, depois, um nĂşmero qualquer
Que será de futuro o teu bilhete de identidade.
Agora, porém, tudo ainda é quieto.
SĂł um galo canta, feliz, na sua inconsciĂŞncia de ser vivo.
As lágrimas rompem-me incontroláveis e inúteis.
É tarde!
Já só existem saudades e fotografias.
As palavras que eu amaria ter-te dito
Sobem-me ao silêncio dos lábios cerrados.
Lá fora a chuva molha a madrugada
Enquanto os familiares se olham
Com o rosto congestionado de lágrimas
E sono interrompido,
Adorando-te em silĂŞncio,
Mais que nunca,
— Esmagados pelo prestígio da morte.