De MemĂłria

Nunca te surpreendeu o sorriso estĂĄtico
das imagens antigas? Alguma coisa aqui
tivemos de perder. Percorro dias e corpos na memĂłria,
mas o que procuro mais Ă© nĂŁo te ver.

Quem ama quem? As mĂĄscaras trocaram-se
e a tua voz ressoa neste palco.
Trouxe versos e mĂșsica para te dar,
mas o rosto que tivemos jĂĄ partiu;
fiquei eu sĂł, Ă  beira da memĂłria,
ĂĄgua do mar que nĂŁo serve para beber.

Porque esta foi a paixĂŁo, o grande acto,
a tĂ­mida paixĂŁo de asas de chumbo.
Eu vi-te muitas vezes frente ao mar,
mas quem de nĂłs para acender a cinza?
– ronda-nos a ave de presa despojada
sobre os malefĂ­cios. AliĂĄs, coisas passadas.

NĂŁo te surpreendeu? O amor
surpreende – nĂŁo convĂ©m, desarruma.
E nunca se ama ao certo quem se ama.
Procuramos apenas um brilho,
um brilho muito intenso no olhar,
um brilho que nĂŁo vamos definir
e que algum dia iremos renegar.