Poemas sobre Morte de Miguel Torga

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Poemas de morte de Miguel Torga. Leia este e outros poemas de Miguel Torga em Poetris.

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fĂșria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinĂłis…
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que hĂĄ gritos como hĂĄ nortadas,
ViolĂȘncias famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legĂ­tima defesa.
Canto, sem perguntar Ă  Musa
Se o canto Ă© de terror ou de beleza.

PrincĂ­pio

NĂŁo tenho deuses. Vivo
Desamparado.
Sonhei deuses outrora,
Mas acordei.
Agora
Os acĂșleos sĂŁo versos,
E tacteiam apenas
A ilusĂŁo de um suporte.
Mas a inércia da morte,
O descanso da vide na ramada
A contar primaveras uma a uma,
Também me não diz nada.
A paz possĂ­vel Ă© nĂŁo ter nenhuma.

MĂŁe

MĂŁe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensĂ­vel e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?

Como as estĂĄtuas, que sĂŁo gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.

Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou Ă©s outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrĂĄs do terror deste vazio.

MĂŁe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vĂȘs ainda, que me queres.
Que Ă©s a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!