Poemas sobre Mortos de José Jorge Letria

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Poemas de mortos de José Jorge Letria. Leia este e outros poemas de José Jorge Letria em Poetris.

A SofreguidĂŁo de um Instante

Tudo renegarei menos o afecto,
e trago um ceptro e uma coroa,
o primeiro de ferro, a segunda de urze,
para ser o rei efémero
desse amor Ășnico e breve
que se dilui em partidas
e se fragmenta em perguntas
iguais Ă s das amantes
que a claridade atordoa e converte.
Deixa-me reinar em ti
o tempo apenas de um relĂąmpago
a incendiar a erva seca dos cumes.
E se tiver que montar guarda,
que seja em redor do teu sono,
num ĂȘxtase de lĂĄbios sobre a relva,
num delĂ­rio de beijos sobre o ventre,
num assombro de dedos sob a roupa.
Eu estava morto e nĂŁo sabia, sabes,
que hĂĄ um tempo dentro deste tempo
para renascermos com os corais
e sermos eternos na sofreguidĂŁo de um instante.

Ode aos Natais Esquecidos

Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta
que dava acesso aos mistérios da noite,
daquela noite em particular, por ser a mais terna
de todas as noites que a minha memĂłria
era capaz de guardar, com letras e sons,
no seu bojo de coisas imateriais e imperecĂ­veis.
Tinha comigo os cĂŁes e os retratos dos mortos,
a lembrança de outras noites e de outros dias,
os brinquedos cansados da solidĂŁo dos quartos,
os cadernos invadidos pĂȘlos saberes inĂșteis.
E todos me diziam que era ainda muito cedo,
porque a meia-noite morava jĂĄ dentro do sono,
no territĂłrio dos anjos e dos outros seres alados,
hora inatingĂ­vel a clamar pela nossa paciĂȘncia,
meninos hirtos de olhos fixos na claridade
enganadora de uma ĂĄrvore sem nome.

Depois, o meu pai morreu e as minhas ilusÔes também.
Tudo se tornou gélido, esquivo e distante
como a tristeza de um fantasma confrontado
com a beleza da vida para sempre perdida.
Deixaram de me dar presentes e de dizer
que era o Menino Jesus que os trazia
para premiar a minha grandeza de alma,

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