Poemas sobre Noite de Sophia de Mello Breyner Andresen

5 resultados
Poemas de noite de Sophia de Mello Breyner Andresen. Leia este e outros poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen em Poetris.

Hora

Sinto que hoje novamente embarco
Para as grandes aventuras,
Passam no ar palavras obscuras
E o meu desejo canta – por isso marco
Nos meus sentidos a imagem desta hora.

Sonoro e profundo
Aquele mundo
Que eu sonhara e perdera
Espera
O peso dos meus gestos.

E dormem mil gestos nos meus dedos.

Desligadas dos cĂ­rculos funestos
Das mentiras alheias,
Finalmente solitĂĄrias,
As minhas mĂŁos estĂŁo cheias
De expectativa e de segredos
Como os negros arvoredos
Que baloiçam na noite murmurando.

Ao longe por mim oiço chamando
A voz das coisas que eu sei amar.

E de novo caminho para o mar.

TĂŁo Grande Dor

“TĂŁo grande dor para tĂŁo pequeno povo” palavras de um timorense Ă  RTP
Timor fragilĂ­ssimo e distante
Do povo e da guerrilha
Evanescente nas brumas da montanha

“SĂąndalo flor bĂșfalo montanha
Cantos danças ritos
E a pureza dos gestos ancestrais”

Em frente ao pasmo atento das crianças
Assim contava o poeta Rui Cinatti
Sentado no chĂŁo
Naquela noite em que voltara da viagem

Timor
Dever que nĂŁo foi cumprido e que por isso dĂłi

Depois vieram notĂ­cias desgarradas
Raras e confusas
ViolĂȘncias mortes crueldade
E anos apĂłs ano
Ia crescendo sempre a atrocidade
E dia a dia – espanto prodĂ­gio assombro –
Cresceu a valentia
Do povo e da guerrilha
Evanescente nas brumas da montanha

Timor cercado por um bruto silĂȘncio
Mais pesado e mais espesso do que o muro
De Berlim que foi sempre falado
Porque nĂŁo era um muro mas um cerco
Que por segundo cerco era cercado

O cerco da surdez dos consumistas
TĂŁo cheios de jornais e de notĂ­cias

Mas como se fosse o milagre pedido
Pelo rio da prece ao som das balas
As imagens do massacre foram salvas
As imagens romperam os cercos do silĂȘncio
Irromperam nos Ă©crans e os surdos viram
A evidĂȘncia nua das imagens

Che Guevara

Contra ti se ergueu a prudĂȘncia dos inteligentes e o arrojo
[dos patetas
A indecisĂŁo dos complicados e o primarismo
Daqueles que confundem revolução com desforra

De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de
[consumo
Como o Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das
[igrejas

Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente Ă  noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece

Eis-me

Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mĂĄgicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silĂȘncio
Ante o silĂȘncio e o esplendor da tua face

Mas tu Ă©s de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mĂŁo me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que nĂŁo moras
E o teu encontro
SĂŁo planĂ­cies e planĂ­cies de silĂȘncio

Escura Ă© a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto estå para além do tempo opaco
E eu nĂŁo habito os jardins do teu silĂȘncio
Porque tu Ă©s de todos os ausentes o ausente

25 de Abril

Esta Ă© a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silĂȘncio
E livres habitamos a substĂąncia do tempo