Nasce Mais uma Vez
Nasce mais uma vez,
Menino Deus!
Não faltes, que me faltas
Neste inverno gelado.
Nasce nu e sagrado
No meu poema,
Se não tens um presépio
Mais agasalhado.
Nasce e fica comigo
Secretamente,
Até que eu, infiel, te denuncie
Aos Herodes do mundo.
Até que eu, incapaz
De me calar,
Devasse os versos e destrua a paz
Que agora sinto, só de te sonhar.
Poemas sobre Nus de Miguel Torga
4 resultadosProspecção
Não são pepitas de oiro que procuro.
Oiro dentro de mim, terra singela!
Busco apenas aquela
Universal riqueza
Do homem que revolve a solidão:
O tesoiro sagrado
De nenhuma certeza,
Soterrado
Por mil certezas de aluvião.
Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Ode
Eis-me nu e singelo!
Areia branca e o meu corpo em cima.
Um puro homem, natural e belo,
De carne que não peca e que não rima.A linha do horizonte é um nível quieto;
As velas, de cansaço, adormeceram;
E penas brancas, que eram luto preto,
Perderam-se no azul de onde vieram.Sol e frescura em toda a grande praia
Onde não pode haver agricultura;
Esterilidade limpa, que não caia
De pão e vinho a cósmica fartura.Dançam toninhas lúdicas no céu
Que visitam ligeiras e felizes;
Uma força sonâmbula as ergueu,
Mas seguras à seiva das raízes.Nem paz, nem guerra, nem desarmonia;
O sexo alegre, mas a repousar;
Um pleno, largo e caudaloso dia,
Sem horas e minutos a passar.Vem até mim, onda que trazes vida!
Soro da redenção!
Vem como o sangue doutra mãe pedida
Na hora de dar mundo ao coração!
Loa
É nesta mesma lareira,
E aquecido ao mesmo lume,
Que confesso a minha inveja
De mortal
Sem remissão
Por esse dom natural,
Ou divina condição,
De renascer cada ano,
Nu, inocente e humano
Como a fé te imaginou,
Menino Jesus igual
Ao do Natal
Que passou.