Poemas sobre PĂ©s de Miguel Torga

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Poemas de pés de Miguel Torga. Leia este e outros poemas de Miguel Torga em Poetris.

Ăšltimo Natal

Menino Jesus, que nasces
Quando eu morro,
E trazes a paz
Que nĂŁo levo,
O poema que te devo
Desde que te aninhei
No entendimento,
E nunca te paguei
A contento
Da devoção,
Mal entoado,
Aqui te fica mais uma vez
Aos pés,
Como um tição
Apagado,
Sem calor que os aqueça.
Como ele me desobrigo e desengano:
És divino, e eu sou humano,
Não há poesia em mim que te mereça.

O Poeta

Triste, lá vai à ronda dos segredos
O maluco que rouba quanto vĂŞ.
Branco, do coração aos dedos,
É todo antenas onde apenas lê.

Murcha-lhe nos pés o rosmaninho
E a prĂłpria rosa, de o sentir, descora;
Mas Ă© um Deus que passeia o seu caminho
A beber a amargura de quem chora.

Magro, lá passa, e lá se vai consigo
A luz das coisas e a flor de tudo.
É um bruxo lento, tenebroso e antigo,
Pálido, sério, solitário e mudo.

Requiem por Mim

Aproxima-se o fim.
E tenho pena de acabar assim,
Em vez de natureza consumada,
RuĂ­na humana.
Inválido do corpo
E tolhido da alma.
Morto em todos os ĂłrgĂŁos e sentidos.
Longo foi o caminho e desmedidos
Os sonhos que nele tive.
Mas ninguém vive
Contra as leis do destino.
E o destino nĂŁo quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio.
Rio feliz a ir de encontro ao mar
Desaguar,
E, em largo oceano, eternizar
O seu esplendor torrencial de rio.

Paz

Calado ao pé de ti, depois de tudo,
Justificado
Como o instinto mandou,
Ouço, nesta mudez,
A força que te dobrou,
Serena, dizer quem Ă©s
E quem sou.

SĂŁo Leonardo da Galafura

Ă€ proa dum navio de penedos,
A navegar num doce mar de mosto,
CapitĂŁo no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.

Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
SerĂŁo charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
DeixarĂŁo prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.

Por isso, Ă© devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!

Aos Poetas

Somos nĂłs
As humanas cigarras.
NĂłs,
Desde o tempo de Esopo conhecidos…
NĂłs,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nĂłs os ridĂ­culos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
NĂłs, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
NĂłs, que nunca passamos,
A passar…

Somos nĂłs, e sĂł nĂłs podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mĂŁo que sĂł altura semeara.

Por isso a vĂłs, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que nĂŁo Ă© meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que nĂŁo tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,

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