Taciturno
Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais –
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
CibĂłrio triangular de ritos infernais.No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d’Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.Heraldicas-luar sobre Ămpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de IlusĂŁo, trofĂ©us de jaspe e Outubro…A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou – embalde a tentarĂŁo descer…
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer –
ManhĂŁs de armas ainda em arraiais de olvido…Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trĂ´no a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redĂłr, ansias lassas, absortas…Ha rĂ´xos fins de Imperio em meu renunciar –
Caprichos de setim do meu desdem Astral…
Ha exĂ©quias de herois na minha dĂ´r feudal –
E os meus remorsos sĂŁo terraços sobre o Mar…
Poemas sobre Portas de Mário de Sá-Carneiro
5 resultadosTorniquete
A tĂ´mbola anda depressa,
Nem sei quando irá parar –
Aonde, pouco me importa;
O importante Ă© que pare…
– A minha vida nĂŁo cessa
De ser sempre a mesma porta
Eternamente a abanar…Abriu-se agora o salĂŁo
Onde há gente a conversar.
Entrei sem hesitação –
Somente o que se vai dar?
A meio da reuniĂŁo,
Pela certa disparato,
Volvo a mim a todo o pano:Ă€s cambalhotas desato,
E salto sobre o piano…
– Vai ser bonita a função!
Esfrangalho as partituras,
Quebro toda a caqueirada,
Arrebento Ă gargalhada,
E fujo pelo saguĂŁo…Meses depois, as gazetas
DarĂŁo crĂticas completas,
Indecentes e patetas,
Da minha Ăşltima obra…
E eu – prĂ cama outra vez,
Curtindo febre e revés,
Tocado de Estrela e Cobra…
Campainhada
As duas ou trĂŞs vezes que me abriram
A porta do salão onde está gente,
Eu entrei, triste de mim, contente –
E Ă entrada sempre me sorriram…
Serradura
A minha vida sentou-se
E não há quem a levante,
Que desde o Poente ao Levante
A minha vida fartou-se.E ei-la, a mona, lá está,
Estendida, a perna traçada,
No infindável sofá
Da minha Alma estofada.Pois Ă© assim: a minha Alma
Outrora a sonhar de RĂşssias,
Espapaçou-se de calma,
E hoje sonha só pelúcias.Vai aos Cafés, pede um bock,
LĂŞ o “Matin” de castigo,
E não há nenhum remoque
Que a regresse ao Oiro antigo:Dentro de mim Ă© um fardo
Que não pesa, mas que maça:
O zumbido dum moscardo,
Ou comichĂŁo que nĂŁo passa.Folhetim da “Capital”
Pelo nosso JĂşlio Dantas –
Ou qualquer coisa entre tantas
Duma antipatia igual…O raio já bebe vinho,
Coisa que nunca fazia,
E fuma o seu cigarrinho
Em plena burocracia!…Qualquer dia, pela certa,
Quando eu mal me precate,
É capaz dum disparate,
Se encontra a porta aberta…Isto assim nĂŁo pode ser…
Mas como achar um remédio?
Angulo
Aonde irei neste sem-fim perdido,
Neste mar Ă´co de certezas mortas? –
Fingidas, afinal, todas as portas
Que no dique julguei ter construido…– Barcaças dos meus impetos tigrados,
Que oceano vos dormiram de SegrĂŞdo?
Partiste-vos, transportes encantados,
De embate, em alma ao rĂ´xo, a que rochĂŞdo?…– Ă“ nau de festa, Ăł ruiva de aventura
Onde, em Champanhe, a minha ânsia ia,
Quebraste-vos também ou, por ventura,
Fundeaste a Ouro em portos d’alquimia?…. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Chegaram Ă baĂa os galeões
Com as sete Princesas que morreram.
Regatas de luar nĂŁo se correram…
As bandeiras velaram-se, orações…Detive-me na ponte, debruçado,
Mas a ponte era falsa – e derradeira.
Segui no cais. O cais era abaulado,
Cais fingido sem mar á sua beira…–