Poemas sobre Manhã

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Poemas de manhã escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Timor

Andam lá sem descançar
Nas montanhas a lutar
Iluminam todo o mar
De Timor

Nas montanhas sem dormir
Uma luz a resistir
Arde sem se apagar
Em Timor

Andorinha de asa negra
Se o teu voo lá passar
Faz chegar um grande abraço
Dá saudades a Timor

Eles não podem escrever
Porque vão a combater
Vão de manhã defender
A Timor

As crianças a chorar
Não as posso consolar
Que eu nunca cheguei a ver
A Timor

Andorinha de asa negra
Vem ouvir o meu cantar
Ai que dor rasga o meu peito
Sem notícias de Timor

Nunca mais hei-de voltar
Já não posso lá voltar
À idade de lembrar
A Timor

Canto Esponjoso

Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfémia.

Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.

Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.

Abertura

Eu abria o rádio
eu abria o aparelho
era uma flor branca que eu abria
de sopro
eu soprava e eu abria a flor
A flor tocava música com as várias mãos
das pétalas
A flor tocava uma simbolização dum tempo
caído podre de espera de cor branca
O tempo espera-se em pintar-se
de branco
para cegar uma cor
mas a minha flor abria-se de
pétalas
e as várias mãos escreviam um
piano por cima de teclas grãos vários
seguidos uns aos outros.
Era assim uma harmonia
entre flor
tempo a querer-se de cor branca em cegar
era assim umas teclas cantarem filhos de grãos
por dentro dos grãos mesmos
unidos que eram em dimensão de lado
era assim um cantar-me o tempo todo
não era assim um cantar-me o tempo todo
era assim um pairar-me
o tempo todo em Nijinsky
o tempo em um fazer-me ballet pelo quarto inteiro
quando eu tinha aberta a cabeça que imagino
da música
Abria a pétala favorita do harém
onde no centro um sultão da flor
no centro que era o amarelo da flor
abria a pétala favorita da flor
e então
e era então que me soava dentro da manhã
do quarto
uma música desfibrada de tempo serôdio
como se tudo me fosse em longe
como se a música levasse longe
o céu.

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O Amor

I

Eu nunca naveguei, pieguíssimo argonauta
Dans les fleuves du tendre, onde há naufrágios bons,
Conduzindo Florian na tolda a tocar frauta,
E cupidinhos d’oiro a tasquinhar bombons.
Nunca ninguém me viu de capa à trovador,
Às horas em que está já Menelau deitado,
A tanger o arrabil sob os balcões em flor
Dos castelos feudais de papelão doirado.
Não canto de Anfitrite as vaporosas fraldas,
(Eu não quero com isto, ó Vénus, descompor-te)
Nem costumo almoçar c’roado de grinaldas,
Nem nunca pastoreei enfim, vestido à corte,
De bordão de cristal e punhos de Alençon,
Borreguinhos de neve a tosar esmeraldas
Num lameiro qualquer de qualquer Trianon.
Eu não bebo ambrósia em taças cristalinas,
Bebo um vinho qualquer do Douro ou de Bucelas,
Nem vou interrogar as folhas das boninas,
Para saber o amor, o tal amor das Elas.
Não visto da poesia a túnica inconsútil,
Pela simples razão, sob o pretexto fútil
De ter visto passar na rua uns pés bonitos;
Nem do meu coração eu fiz um paliteiro,
Onde venha o amor cravar os seus palitos.

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Procuro-te

Procuro a ternura súbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carícia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou música.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dóceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhã de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas não quando se ama,
não quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter só dedos e dentes é muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidão,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar é devassado pelas estrelas.

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É Noite, Mãe

As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro…
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!…

Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso…

É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!…

Exílio

Dentro de cada rosto vai-se
e perde o passo antes certo
que não se quisera passo, mas silêncio.

Se em vão caminha e nada encontra,
um rosto e cada ruga, cada cancro
conferem o périplo e o decretam
desde sempre, nas frias manhãs do tempo, nulo.

Mármores, fátua memória de um crime,
ou qualquer música degredada em pranto,
nada falta, mas fasta, imóvel, sucessiva
uma lua basta e sua lousa, desterro.

Letras, pedras, fomes, por entre grades paisagem
ou rosto informe no fundo de uma página,
vai a viagem ontem e esquece, urro ou simples erro.

Despedida

Amanhece
e no espreguiçar dos olhos
absorvo a tontura do novo dia.

Ao sair do quarto
atravesso o branco sujo da manhã
e vou tomar café com muito açúcar.

Levo um pastel de Tentúgal para a varanda
e mastigo-o ouvindo as harpas da cidade.

E quando tu chegas de roupão
bebendo o teu cacau
explico-te o horizonte com barcos.

Dezasseis Anos, Talvez

Dezasseis anos, talvez.
Vejo-a, no café, cada manhã,
A folhear, atenta, um compêndio de inglês,
Com um perfume a Escola e a maçã.

Não me canso de a olhar. Às vezes, olha
(Um velho!), num desvio de atenção,
E logo volta a folha,
Enquanto molha
o bolo no «galão».

Eu saio, com pesar, bebida a «bica».
Ela é a minha manhã,
Tão natural, tão clara… que ali fica.

– Que saudades da Escola! Que fome de maçã!

Os Anos de Ti para Mim

O teu cabelo volta a ondular-se quando choro. Com o azul dos
teus olhos
pões a mesa do nosso amor: uma cama entre o verão e o
outono.
Bebemos o que alguém preparou, que não era eu, nem tu, nem
um terceiro:
sorvemos um último vazio.

Miramo-nos nos espelhos do mar profundo e passamos mais
depressa um ao outro os alimentos:
a noite é a noite, começa com a manhã,
é ela que me deita a teu lado.

Tradução de João Barrento e Y. K. Centeno

Poema do homem-rã

Sou feliz por ter nascido
no tempo dos homens-rãs
que descem ao mar perdido
na doçura das manhãs.
Mergulham, imponderáveis,
por entre as águas tranquilas,
enquanto singram, em filas,
peixinhos de cores amáveis.
Vão e vêm, serpenteiam,
em compassos de ballet.
Seus lentos gestos penteiam
madeixas que ninguém vê.

Com barbatanas calçadas
e pulmões a tiracolo,
roçam-se os homens no solo
sob um céu de águas paradas.

Sob o luminoso feixe
correm de um lado para outro,
montam no lombo de um peixe
como no dorso de um potro.

Onde as sereias de espuma?
Tritões escorrendo babugem?
E os monstros cor de ferrugem
rolando trovões na bruma?

Eu sou o homem. O Homem.
Desço ao mar e subo ao céu.
Não há temores que me domem
É tudo meu, tudo meu.

Calçada de Carriche

Luísa sobe,
sobe a calçada,
sobe e não pode
que vai cansada.
Sobe, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe
sobe a calçada.

Saiu de casa
de madrugada;
regressa a casa
é já noite fechada.
Na mão grosseira,
de pele queimada,
leva a lancheira
desengonçada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Luísa é nova,
desenxovalhada,
tem perna gorda,
bem torneada.
Ferve-lhe o sangue
de afogueada;
saltam-lhe os peitos
na caminhada.
Anda, Luísa.
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Passam magalas,
rapaziada,
palpam-lhe as coxas,
não dá por nada.
Anda, Luísa,
Luísa, sobe,
sobe que sobe,
sobe a calçada.

Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na filha,
deu-lhe a mamada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
desinteressada;
caiu na cama
de uma assentada;

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Teoria da Presença de Deus

Somos seres olhados
Quando os nossos braços ensaiarem um gesto
fora do dia-a-dia ou não seguirem
a marca deixada pelas rodas dos carros
ao longo da vereda marginada de choupos
na manhã inocente ou na complexa tarde
repetiremos para nós próprios
que somos seres olhados

E haverá nos gestos que nos representam
a unidade de uma nota de violoncelo
E onde quer que estejamos será sempre um terraço
a meia altura
com os ao longe por muito tempo estudados
perfis do monte mário ou de qualquer outro monte
o melhor sítio para saber qualquer coisa da vida

A Origem do Mundo

De manhã, apanho as ervas do quintal. A terra,
ainda fresca, sai com as raízes; e mistura-se com
a névoa da madrugada. O mundo, então,
fica ao contrário: o céu, que não vejo, está
por baixo da terra; e as raízes sobem
numa direcção invisível. De dentro
de casa, porém, um cheiro a café chama
por mim: como se alguém me dissesse
que é preciso acordar, uma segunda vez,
para que as raízes cresçam por dentro da
terra e a névoa, dissipando-se, deixe ver o azul.

Uma Recordação

Não há homem que consiga deixar uma marca
nela. Todo o passado se dilui num sonho
como uma rua na manhã e só fica ela.
Se não fosse a testa franzida por um momento
pareceria atónita. As maçãs do rosto têm sempre
um sorriso.

Também não se acumulam os dias
no seu rosto, nem alteram o sorriso leve
que irradia sobre todas as coisas. Com uma firmeza dura
faz cada coisa como se fosse a primeira;
no entanto vive-a até ao último momento. O seu corpo
firme abre-se, o olhar recolhido,
a uma voz doce e algo rouca: à voz
dum homem cansado. E nenhum cansaço a toca.

Quando se lhe olha para a boca, semicerra os olhos
à espera: ninguém se arriscaria.
Muitos homens conhecem o seu ambíguo sorriso
ou a súbita ruga. Se homem existiu
que a soube queixosa, humilhada de amor,
paga dia após dia, ignorando dela
por quem vive hoje.

Caminhando pela rua
sorri sozinha o sorriso mais ambíguo.

Tradução de Carlos Leite

Pedra no charco

Caiu uma pedra no charco,
caiu um penedo no rio,
caiu mais um cabo da boa esperança no mar,
p’rá gente se agarrar.

Deixámos de ver as nuvens
que nos tapavam o céu,
pudemos sentir de perto a meiguice do tempo
onde a gente se escondeu.

É que hoje
nasceu mais um dia.
É que hoje
nasceu mais alguém.
É que hoje
nasceu um poeta na serra com a estrela da manhã.

Foi quando os lobos uivaram,
foi quando o lince miou,
as ovelhas não tinham fome
e a alcateia repousou.

E entre os uivos e os miados
o poeta abriu o choro.
E entre os vales e os cabeços,
cavalgando uma alcateia
o poema deslizou.

Com Palavras

Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudíveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silêncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
Possuímos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmão que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…

Quase Nada

O amor
é uma ave a tremer
nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
por ignorar
que as manhãs mais limpas
não têm voz.

Mais Nada se Move em Cima do Papel

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo

os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada

desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração

Quarenta Anos

a Carlos Nejar

Sinto a velhice em mim oculta e rude
em meio ao sol e ao riso da manhã,
nesse engano das horas, nessa vã
esperança de eterna juventude
que se desfaz de mim, e sou maça
mordida, podre, e rio e não me ilude
esse carinho, essa algazarra. O alude
dentro de mim começa. Mesmo sã,
a estrutura se abala em sombra e ruga
e os caminhos só descem, pesa o fardo,
e entre cinzas de mim, alheio, ardo,
de um fogo já morrente em sua fuga.

Mesquinho embora, curvo e pungitivo,
meu corpo vibra e se deseja vivo.