Poemas sobre Vida de Orlando Neves

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Poemas de vida de Orlando Neves. Leia este e outros poemas de Orlando Neves em Poetris.

Como Realiza o Corpo este ExercĂ­cio da Queda

Como realiza o corpo este exercĂ­cio
da queda no sĂşbito conhecimento
do espanto, quando os olhos estĂŁo vencidos,
cerrados pela transparĂŞncia e pela luz
ofuscante da alva? À medida que o corpo
seca e se aplacam os seus, outrora, amáveis
dons, se ensombram os ossos, mĂ­seras as mĂŁos
emagrecidas e se desnuda a carne
no fundo fôlego das águas, aumenta
o assombro da claridade. SĂł a vida
gerou o tempo, eis que ausente, ao resplendor
inesperado da luz descida. Onde vai
o humilde corpo, se corpo resta ou se outro,
receber a miraculosa mudança
de nada existir a nĂŁo ser o profundo
bando do grito terrĂ­vel de todos
os mortos? Ah, que estupor sela os mĂşsculos,
enrijece as unhas e aspira a voz,
resfria o suor e nos conduz, inertes
e cegos, ao nĂşcleo da luz deslumbrante?
Ă“ mar de que futuro, rumor volĂşvel,
sopro claro, envolve-nos de compaixĂŁo!

Erra, Fio mortal da Alma, o Destino

Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco será o poder do nada, o silêncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ásperas
e pálidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhĂŁ ou o inigualado luto
da noite, Ă© solene, Ă© suave,
inexorável princípio de tudo
quanto existirá. É ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cĂłlera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a Ă©bria, a avara solidĂŁo, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. SĂł minha absurda aparĂŞncia
a Ave dilacera.

Todas as Noites me Sinto

Todas as noites me sinto
igual aos desconhecidos.
Sou a criança que sou,
só quando o tempo pára.

Fico em mim,
fora dos mĂşsculos.

Por que se movem os deuses
quando o sol cresta as formigas?
Lendas da luz da noite
secam todo o movimento.

Seguro a vida
por desespero.

SĂł no Pensamento Volta o Mundo

SĂł no pensamento volta o
mundo. Ao ruĂ­do da voz
apenas aspiro — que a alma
Ă© o ser mais que a dor ou o
verde cinza do halo das
árvores na manhã íntima das
cores diurnas. Temi os
deuses pelo coração dos
homens, ao homem temo
que por metade vive o medo
divino. Resta, no espasmo
da terra, a mágoa seca, a
ruína da água, a traição do
nada neste corpo de cera,
coroado do silĂŞncio ferido.
Se nĂŁo de amor Ă© o dia
aberto quando as vĂ­sceras
róseas ouvem a respiração
do fogo derramado eros.
Que a estreita vida diz na
tĂŁo pouco breve humilde
erva a tĂŁo febril brisa, cio de
matinal bĂşzio ou rouca
flauta. EntĂŁo me ergo e
ouso, vaso do vento, clamar
a queda. Ă“ esta humana e
divina pobreza de querer
sem fulgor, de tudo poder
sem desejo, alheio ou meu!
O que do futuro ignoro Ă©
maior que o tempo que vivo,
Ă© palavra de cega lĂ­ngua, em
mim calada por jamais lida.

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Só os Lábios Respiram

Só os lábios respiram. Simples gesto vivo,
exĂ­lio do som onde se oculta o pavor da
palavra, pátria salgada cerrada no vazio
da casa de velhos deuses ávidos de preces.
Na garra da águia se fecha e rompe a boca,
templo e entranha, prodĂ­gio e anel
do eco, sinal esparso do caĂ­do concerto
da vida. Por estes soberbos montes, estas
rasas colinas, estas águas circulantes,
vai o grito da cegueira, o delĂ­rio lasso
na manhĂŁ, a saciada loucura do escuro
nome nocturno. Como um fragor dos céus,
caminha o canto agudo das árduas cigarras
perseguindo a funesta morte. Por esta
paisagem parda, que lábios me guardam
do próximo desastre, a mudança em ave,
cio ou sal, erva ou peixe, cicatriz ou
mito, veia ou água? Que lábios respiram
na coisa mortal que serei apĂłs o termo
da eterna efemeridade deste meu corpo,
coma de luz, deste desejo, rijo resĂ­duo,
deste pensamento, disfarce ou máscara,
deste rapto do tempo, deste
coração que começa?