Cantares Bacantes (II)
Canto a lira dissonante:
como custam meus cantares!
os cantochões dos solares
mais remotos que um levante.Tua branca primavera
lança-perfume dos ares
profundo nácar dos pares
mas verdes ramas da hera.A cigarra morta canta
tua tarde de passagem
que a voz do bronze levantalouvores a teu passeio
de gazela: leve aragem
ao coração, meu anseio!
Passagens sobre Primavera
190 resultadosNunca Envelhecerás
A tua cabeleira
é já grisalha ou mesmo branca?
Para mim é toda loira
e circundada de estrelas.
Sobre ela
o tempo não poisou
o inverno dos anos
que se escoam maldosos
insinuando rugas, fios brancos…Ao teu corpo colou-se
o vestido de seda,
como segunda pele;
entre os seios pequenos
viceja perene
um raminho de cravos…Pétalas esguias
emolduram-te os dedos…
E revoadas de aves
traçam ao teu redor
volutas de primavera.Nunca envelhecerás na minha lembrança!…
Prefiro Rosas, meu Amor, à Pátria
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre,Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Elegia dos Amantes Lúcidos
Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destinoE não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insectoMeu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um mongeAh, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?
A Recuperação da Alma
Quando a uma árvore são cortados os ramos da copa, vão-lhe nascendo mais perto da raiz novos rebentos. Do mesmo modo, também as almas que ao despontar adoecem e quase fenecem regressam frequentemente à primavera dos sentimentos, à apreensiva infãncia onde tudo começa, como se aí pudessem encontrar novas esperanças e reatar o fio condutor da vida que antes fora quebrado. Os rebentos que brotaram perto das raízes anseiam por uma rápida ascensão, mas tudo não passa de uma ilusão, pois nunca a partir deles se voltará a desenvolver uma verdadeira árvore.
Adeus Tranças Cor de Ouro
Adeus tranças cor de ouro,
Adeus peito cor de neve!
Adeus cofre onde estar deve
Escondido o meu tesouro!Adeus bonina, adeus lírio
Do meu exílio de abrolhos!
Adeus, ó luz dos meus olhos
E meu tão doce martírio!Adeus meu amor-perfeito,
Adeus tesouro escondido,
E de guardado, perdido
No mais íntimo do peito.Desfeito sonho dourado,
Nuvem desfeita de incenso
Em quem dormindo só penso,
Em quem só penso acordado!Visão, sim, mas visão linda,
Sonho meu desvanecido!
Meu paraíso perdido
Que de longe adoro ainda!Nuvem que ao sopro da aragem
Voou nas asas de prata,
Mas no lago que a retrata
Deixou esculpida a imagem!Rosa de amor desfolhada
Que n’alma deixou o aroma,
Como o deixa na redoma
Fina essência evaporada!Gota de orvalho que o vento
Levou do cálix das flores,
Curto abril dos meus amores,
Primavera de um momento!Adeus Sol, que me alumia
Pelas ondas do oceano
Desta vida, deste engano,
Quando, Lídia, Vier o Nosso Outono
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
Se ao Mundo Predissesses teu Morrer
Se ao mundo predissesses teu morrer
na morte a natureza ir-te-ia à frente
volvendo com mandado intransigente
no eterno esquecimento o próprio serO céu se rosaria docemente
por do teu corpo a roupa enfim descer
florestas tingiria o teu sofrer
de negro e a noite o mar barca silenteLuto sem nome com estrelas mede
a estela ao teu olhar no arco celeste
e a escuridão de espesso muro impedeque a luz da nova primavera preste
A estação vê nos astros que pararam
as cisternas que a morte te espelharam.Tradução de Vasco Graça Moura
Última Página
Vou deixar este livro. Adeus.
Aqui morei nas ruas infinitas.
Adeus meu bairro página branca
onde morri onde nasci algumas vezes.Adeus palavras comboios
adeus navio. De ti povo
não me despeço. Vou contigo.
Adeus meu bairro versos ventos.Não voltarei a Nambuangongo
onde tu meu amor não viste nada. Adeus
camaradas dos campos de batalha.
Parto sem ti Pedro Soldado.Tu Rapariga do País de Abril
tu vens comigo. Não te esqueças
da primavera. Vamos soltar
a primavera no País de Abril.Livro: meu suor meu sangue
aqui te deixo no cimo da pátria
Meto a viola debaixo do braço
e viro a página. Adeus.
Caminhos
Para quê, caminhos do mundo,
Me atraís? — Se eu sei bem já
Que voltarei donde parto,
Por qualquer lado que vá.Pra quê? — Se a Terra é redonda;
E, sempre, tem de cumprir-se
A sina daquela onda
Que parece vai sumir-se,Mas que volta, bem mais débil,
Ao meio do lago, onde
A mãe, gota d’água flébil,
Há muito tempo se esconde.Pra quê? — Se a folha viçosa
Na Primavera, feliz,
Amanhã será, gostosa,
Alimento da raiz.Pra quê, caminhos do mundo?
Pra quê, andanças sem Fim?
Se todo o sonho profundo
Deste Mundo e do Outro-Mundo,
Não ‘stá neles, mas em mim.