Sonetos sobre Doces de Luís de CamÔes

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Sonetos de doces de Luís de CamÔes. Leia este e outros sonetos de Luís de CamÔes em Poetris.

Ondados Fios D’ouro Reluzente

Ondados fios d’ouro reluzente,
que, agora da mĂŁo bela recolhidos,
agora sobre as rosas estendidos,
fazeis que sua beleza se acrescente;

Olhos, que vos moveis tĂŁo docemente,
em mil divinos raios entendidos,
se de cĂĄ me levais alma e sentidos,
que fora, se de vĂłs nĂŁo fora ausente?

Honesto riso, que entre a mor fineza
de perlas e corais nasce e parece,
se n’alma em doces ecos nĂŁo o ouvisse!

Se imaginando sĂł tanta beleza
de si, em nova glĂłria, a alma se esquece,
que farĂĄ quando a vir? Ah! quem a visse!

Se me vem tanta glĂłria sĂł de olhar-te

Se me vem tanta glĂłria sĂł de olhar-te,
É pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
GrĂŁo paga de um engano Ă© desejar-te.

Se aspiro por quem Ă©s a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te;
Se mal me quero a mim por bem querer-te,
Que prémio querer posso mais que amar-te?

Porque um tĂŁo raro amor nĂŁo me socorre?
Ó humano tesouro! Ó doce glória!
Ditoso quem Ă  morte por ti corre!

Sempre escrita estarĂĄs nesta memĂłria;
E esta alma viverĂĄ, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha Ă© a vitĂłria.

Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado

Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.

Vi o gesto suave e delicado
que jĂĄ vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.

Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.

Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os coraçÔes obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.

Doces Águas E Claras Do Mondego

Doces ĂĄguas e claras do Mondego,
doce repouso de minha lembrança,
onde a comprida e pérfida esperança
longo tempo apĂłs si me trouxe cego;

de vós me aparto; mas, porém, não nego
que inda a memória longa, que me alcança,
me não deixa de vós fazer mudança,
mas quanto mais me alongo, mais me achego.

Bem pudera Fortuna este instrumento
d’alma levar por terra nova e estranha,
oferecido ao mar remoto e vento;

mas alma, que de cĂĄ vos acompanha,
nas asas do ligeiro pensamento,
para vĂłs, ĂĄguas, voa, e em vĂłs se banha.

Aqueles Claros Olhos Que Chorando

Aqueles claros olhos que chorando
ficavam quando deles me partia,
agora que farĂŁo? Quem mo diria?
Se porventura estarĂŁo em mim cuidando?

Se terĂŁo na memĂłria, como ou quando
deles me vim tĂŁo longe de alegria?
Ou s’estarĂŁo aquele alegre dia
que torne a vĂȘ-los, n’alma figurando?

Se contarĂŁo as horas e os momentos?
Se acharĂŁo num momento muitos anos?
Se falarĂŁo co as aves e cos ventos?

Oh! bem-aventurados fingimentos,
que, nesta ausĂȘncia, tĂŁo doces enganos
sabeis fazer aos tristes pensamentos!

Vencido estĂĄ de amor

Vencido estĂĄ de amor Meu pensamento
O mais que pode ser Vencida a vida,
Sujeita a vos servir e InstituĂ­da,
Oferecendo tudo A vosso intento.

Contente deste bem, Louva o momento
Outra vez renovar TĂŁo bem perdida;
A causa que me guia A tal ferida,
Ou hora em que se viu Seu perdimento.

Mil vezes desejando EstĂĄ segura
Com essa pretensĂŁo Nesta empresa,
TĂŁo estranha, tĂŁo doce, Honrosa e alta

Voltando sĂł por vĂłs Outra ventura,
Jurando nĂŁo seguir Rara firmeza,
Sem ser no vosso amor Achado em falta.

Dizei, Senhora, Da Beleza Ideia:

Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
para fazerdes esse ĂĄureo crino,
onde fostes buscar esse ouro fino?
de que escondida mina ou de que veia?

Dos vossos olhos essa luz Febeia,
esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
se com encantamentos de Medeia?

De que escondidas conchas escolhestes
as perlas preciosas orientais
que, falando, mostrais no doce riso?

Pois vos formastes tal, como quisestes,
vigiai-vos de vĂłs, nĂŁo vos vejais,
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.

O MĂĄgico Veneno

Um mover de olhos, brando e piedoso,
Sem ver de quĂȘ; um riso brando e honesto,
Quase forçado; um doce e humilde gesto,
De qualquer alegria duvidoso;

Um despejo quieto e vergonhoso;
Um repouso gravĂ­ssimo e modesto;
Uma pura bondade, manifesto
IndĂ­cio da alma, limpo e gracioso;

Um encolhido ousar; uma brandura;
Um medo sem ter culpa; um ar sereno;
Um longo e obediente sofrimento;

Esta foi a celeste formosura
Da minha Circe, e o mĂĄgico veneno
Que pĂŽde transformar meu pensamento.

Foi JĂĄ Num Tempo Doce Cousa Amar

Foi jĂĄ num tempo doce cousa amar,
enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
todo se desfazia em desejar.

Ó vĂŁo, caduco e dĂ©bil esperar!
Como se desengana ĂŒa mudança!
Que, quanto é mor a bem aventurança,
tanto menos se crĂȘ que hĂĄ de durar!

Quem jĂĄ se viu contente e prosperado,
vendo se em breve tempo em pena tanta,
razĂŁo tem de viver bem magoado.

Porém quem tem o mundo exprimentado,
nĂŁo o magoa a pena nem o espanta,
que mal se estranharĂĄ o costumado.

Doce Sonho, Suave E Soberano

Doce sonho, suave e soberano,
se por mais longo tempo me durara!
Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
pois havia de ver tal desengano!

Ah! deleitoso bem! ah! doce engano!
Se por mais largo espaço me enganara!
Se entĂŁo a vida mĂ­sera acabara,
de alegria e prazer morrera ufano.

Ditoso, nĂŁo estando em mim, pois tive,
dormindo, o que acordado ter quisera.
Olhai com que me paga meu destino!

Enfim, fora de mim, ditoso estive.
Em mentiras ter dita razĂŁo era,
pois sempre nas verdades fui mofino.